Modestamente, tinha acabado de comentar que esta era a melhor final de Copa do Mundo que já tinha visto quando recebi o comentário do meu primo Cláudio Arreguy dizendo a mesma coisa. Depois vi o PVC e outros bam-bam-bans da crônica esportiva concordarem com a magnitude da partida deste domingo, 18 de dezembro de 2022, empatada em 3 x 3 e vencida pela Argentina na disputa de pênaltis.

Normalmente não gosto de assistir às resenhas da televisão antes de escrever a minha crônica, para evitar me pautar pelas pautas dos outros. Receio não ser original. Hoje também agi assim. Primeiro que tudo, fui almoçar, porque estava quase desmaiando de emoção e fome, enquanto Messi e Mbappé duelavam pela vitória, pela artilharia, pelo protagonismo no ponto alto do futebol, que só se repete a cada quatro anos.

E assim, debaixo de chuva torrencial e com a barriga roncando, fechei minha linha temática com “a melhor final de todos os tempos” e deixei pra escrever mais tarde. Não sei se é justo afirmar “de todos os tempos”, que é tempo demais. Não deve haver muita gente viva que assistiu às finais de 1930, 1934 e 1938. Só sei que, na digamos “era moderna”, nunca se viu nada igual. Pelo futebol absoluto apresentado pela Argentina no primeiro tempo, pela reação espetacular dos franceses no segundo, pela ressurreição de Mbappé de uma hora pra outra, quando tantos já tiravam sarro da cara dele – “alguém viu o Mbappé por aí?” –, pela visão estratégica do técnico Scalone, pra mim o melhor da Copa, disparado. Foram elementos demais!

O certo é que, por mais que o futebol, como dizia meu pai, seja “association”, ou seja, esporte coletivo, sobressaindo-se o valor do conjunto sobre as qualidades individuais, é no indivíduo único e insubstituível que mora a centelha do gênio. Que se faz o milagre. E o milagre tem nome e sobrenome. Um semideus se chama Messi. O outro, Mbappé. Os dois, frente a frente, gol a gol, medindo estatura, valor, importância histórica. Venceu o argentino? Venceu a bola.

Esta foi a melhor lição desta final sobrenatural: venceu o futebol. Embora tenha havido força bruta e jogo pegado, o que melhor se fez hoje no Catar foi jogar bola. Ganhou quem jogou melhor. Ou seja, fez-se justiça.

Os deuses do futebol são manhosos e ciumentos. Ajudam às vezes dando uma mãozinha pra um semideus. Às vezes mexem os pauzinhos no apito do árbitro. Muito já puniram quem os desafia. Com Messi, foram caprichosos. Obrigaram-no a disputar cinco Copas do Mundo e mostrar tudo de que era capaz. Em outros anos, diante do desapontamento, ele já havia até ameaçado não voltar a disputar o Mundial. Voltou. Cumpriu todos os desafios, viveu seu purgatório e seu inferno pra ter direito ao céu. À glória. Que hoje o abraçou e lhe entregou o que mais que ninguém ele fez por merecer.

Já Mbappé é queridinho dos deuses. Campeão aos 19 anos, com direito a gol na final, deixou logo três hoje, às vésperas de completar 24, foi o artilheiro da competição e tem a vida toda pra quebrar mais e mais recordes. Também em seu caso o céu é o limite. Com a diferença de que ele parece ter nascido mais perto do céu do que o comum dos mortais.

E assim termina a história de um duelo em que os dois maiores provaram ser os dois maiores, cada um levando uma fatia do sucesso a que fez jus. Brilharam como as estrelas que são. Nós, súditos, lhes agradecemos, os louvamos e bendizemos, em nome do futebol arte, do futebol emoção, do futebol que todos apreciamos sem moderação.

Um PS: muita gente se lamentando pela ausência do Brasil na final. “Era pra sermos nós”, ouvi de algumas pessoas. Não creio. No lugar de quem? Dessa Argentina aguerrida, que precisou perder na estreia pra pôr os pés no chão e se reerguer com talento, garra e um gênio puxando a mão dos colegas? No lugar da França, que desde as primeiras rodadas apresentou um futebol aplicado, bonito, convincente, superando cada obstáculo como se fosse a coisa mais fácil do mundo e tendo no comando um menino preocupado só em jogar bola, sem se distrair com ostentação? Não era, mesmo, pra estarmos nesta final.

Confesso que não me fez falta. Patriota, sim. Patriotária, nunca. Torço pra bola em primeiro lugar. Hoje, festejei seis vezes, três pra cada lado, mas meu coração latino-americano saudou os novos campeões sem nenhum resquício de rivalidade artificial. Somos todos hermanos, afinal!

Texto publicado originalmente no projeto Crônicas da Copa – www.cronicasdacopa.com.br

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