Não é todo dia que a gente conhece uma pessoa e, em menos de meia hora, se torna amiga de infância dela. Muito menos que essa pessoa, quatro dias depois, faça aniversário (no mesmo dia que meu avô e minha sobrinha), chegando aos 79 anos de vida. E que vida! Chega de suspense, hoje vou falar pra vocês do Jô Oliveira, o grande ilustrador que conheci várias vezes com a minha saudosa amiga Lucília Garcez, na casa de quem o vi e tiramos fotos juntos, mas com quem nunca tinha conversado até terça-feira passada.

Certamente foi a Lucília que me soprou ao ouvido, lá da nuvenzinha celestial onde ela mora e de onde vigia pra ver se estamos fazendo tudo certinho:

– Por que você não faz um livro com o Jô?

Fiquei com aquilo ecoando na cabeça e no coração. Afinal, sei do talento desse multipremiado artista, mas, como disse, nunca tinha conversado com ele, não sabia se ele teria interesse em trabalhar comigo. Estou com dois livros infantis prontos pra ser publicados, mas ainda não tinha ilustrador em mente.

Ao atender a uma ligação do amado Vladimir Carvalho, falei com ele no assunto e ele foi assertivo:

– Ele vai querer fazer, sim. Ele é ótimo! Você quer que eu fale com ele primeiro?

– Quero, Vladimir, mesmo porque não tenho nem o contato do Jô.

– Não seja por isso.

Me passou o número, ligou pro amigo e em seguida liguei eu.

– Oi, Rosa, o Vladimir me falou de você. Vamos nos encontrar?

Nos encontramos para um café que só não fluiu melhor porque o café, em si, estava bem ruinzinho. Mas em poucos minutos nos entendemos de tal forma que ele, parando de me chamar de Rosa, indagou:

– Como é que a gente não era amigo até hoje?

– Também não sei, Jô.

E caímos na risada, como fazíamos a cada afinidade constatada – política, literária, de amizades em comum, de antipatias compartilhadas, de gozações inevitáveis. E a cada caso contado, mais risos e emoções. Como pude não conhecer a história desse homem incrível, grande artista e prosa fina, de conteúdo e graça ímpares?

Jô nasceu Josimar Fernandes de Oliveira, “menino de engenho” no Engenho Amparo, em Itamaracá (PE), a ilha de Lia. Passou a infância no Mato Grosso, onde começou a desenhar imitando um vizinho. Fez curso por correspondência naquela escola que anunciava nos gibis, estudou Belas Artes no Rio de Janeiro, até que, aos 24 anos, conseguiu embarcar para um curso de desenho animado num estúdio em Budapeste, na Hungria (a faculdade Magyar Iparmüvészeti Föiskola), mesmo sem integrar o Partido Comunista Brasileiro, que mantinha relações com os então chamados países da Cortina de Ferro – foi ajudado por amigos que eram do antigo Partidão.

Sem falar um a em húngaro, achou melhor permanecer no país depois dos primeiros seis meses, porque a coisa aqui estava feia, com a decretação do AI-5 ao final do ano anterior, 1968. Passou então pra um curso de húngaro na Nemizetiközi Elökészitö Intézeti, onde conheceu a búlgara Iskra, a colega de classe que se tornaria sua esposa desde então. Imaginem uma mulher que só sabia falar búlgaro namorando um homem que, além do português, só arranhava um tiquinho de inglês?

Prevaleceu a linguagem do amor. Jô morou cinco anos na Hungria. Quando voltou pro Brasil, deixou Todor, o filho mais velho, com os sogros, na Bulgária. Ao reencontrar o menino, pai e filho tiveram que aprender a conversar. Vida que segue!

Estabelecido em Brasília, tiveram o segundo filho, Paulo Augusto. Jô dava duro dia e noite, trabalhando com arte e sem ela, em jornal, em tudo que desse, pra manter a família e realizar o sonho de fazer o que gostava. Por exemplo: ofereceu-se à ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) para fazer selos. Conseguiu o trabalho e ganhou prêmios e mais prêmios, inclusive internacionais. Já conhecia Brasília desde 1961, quando o pai aqui esteve a trabalho. Ao vir morar nos anos 1970, ficou amigo da turma de artistas que resistia à ditadura por aqui, entre os quais Vladimir Carvalho, o cineasta que melhor retratava a nascente história da capital federal em seus documentários.

Foi também pelas mãos de Vladimir que Jô chegou a Lucília Garcez. O ilustrador cheio de ideias convidou o cineasta pra escrever uma história a ser ilustrada por ele. Vladimir não topou, mas sugeriu Lucília. Ela sempre me contava isto:

– Foi o Jô Oliveira que me fez escrever pra crianças. Ele me provocava, eu ia escrevendo.

A parceria se fortaleceu com diversas obras clássicas, como as biografias de Luiz Gonzaga, o Gonzagão, e de Ariano Suassuna, ambas pro público infantojuvenil, além de livros sobre Brasília, sobre história da arte, sobre tópicos históricos, e por aí afora. Lucília nunca mais parou de escrever para crianças, teve livros publicados em diversas editoras, vários premiados e adotados em escolas, vendas espetaculares. E tudo nascera e crescera no bate-bola com Jô.

Com outros parceiros, seguiu desenvolvendo a linguagem que mais gosta, a da cultura popular, ilustrando cordéis sobre variados assuntos, lançando quadrinhos, livros, publicações com excelente aceitação, muitas vendas e muitos prêmios.

Hoje é um dos mais respeitados e amados trabalhadores no ofício do desenho, da ilustração, da criação de obras de arte e livros no país. Pra não fechar esta história sem mais uma coincidência, descobrimos que integramos juntos o livro que acaba de sair pela Melhoramentos em homenagem ao querido Ziraldo, “90 maluquinhos por Ziraldo”, em que ele comparece entre os amigos desenhistas e eu, entre os escritores.

E decidimos fazer um livro juntos, o primeiro, certamente, de uma série, pois ideias não nos faltam e provocações voam de lá pra cá e de cá pra lá.

Feliz aniversário, Jô Oliveira, muito obrigada por ser meu mais novo amigo de infância!