No dia 22 de janeiro nos deixou nossa amada Tia Quiquica, sobre quem escrevi neste espaço, levando a paixão por ela a nova legião de fãs. Agora preciso falar de outra tia muito amada, Tia Ignez, que neste 8 de fevereiro completaria 85 anos se não tivesse partido tão cedo, aos 63 (idade que eu tenho hoje!).

Preciso falar da Tia Ignez porque ela foi importante demais na minha vida – e na de tanta gente –, uma das melhores pessoas que conheci, tão boa e inteligente, bonita e charmosa, que marcou todos que tiveram a felicidade de conhecê-la.

Pra começo de conversa, foi excelente professora, e só por isso já valeria um troféu, haja vista a importância vital desses profissionais na construção de uma sociedade cidadã, civilizada e evoluída, aos quais frequentemente falta o respeito tão merecido. Formada em história, Tia Ignez era professora de Cultura Brasileira quando entrei pra Fafich e fui sua aluna. Quanta cultura! Quanto conhecimento! Quanta empatia!

Mas o que ela fazia profissionalmente é pouco pra descrever essa mulher maravilhosa. Tia Ignez teve quatro filhos que também inscrevo entre as melhores pessoas que conheço, pela bondade inata, pela generosidade aprendida no exemplo, pela capacidade de amor e doação a toda prova, pela falta de preconceitos e de restrições a qualquer um.

Essa abertura ao outro fez da Tia Ignez a criatura menos preconceituosa que iluminou minha formação na estrada da cidadania – ao lado de meu pai, o Seu Maia de quem tanto falo. Amava o povo e sobretudo o pobre. Não tinha medo, nojo ou vergonha do pequeno. De partilhar com o conhecido ou o desconhecido sua mesa, seu pão, sua mão.

Católica de fé inabalável, alimentava-se de alegria e esperança mesmo quando a barra mais pesava. Não perdia o sorriso. Aposentada, dedicou-se ao ensino na igreja. Politizada, mulher de seu tempo, praticava e ensinava o que aprendeu em sua jornada:

– A esquerda se diferencia da direita por pregar valores da vida e da justiça social. Uma sociedade em que a maioria da população passa fome não tem dignidade. De que vale a liberdade individual se o coletivo se degrada pelas desigualdades?

Tia Ignez foi a primeira feminista que conheci. Não apenas pelo discurso, mas pela prática. Conciliava a disciplina religiosa com a autoestima, de modo que passou maus bocados por ter que se divorciar, mesmo contra seus princípios, mas não perdeu o respeito próprio, o amor próprio. Uma vez a vi discutindo com um jovem machista, que argumentava a suposta preponderância da força física masculina sobre a da mulher:

– Ah é, homens são mais fortes? Experimenta bater os quilos de roupa que Dona Rita, a lavadeira, bate todos os dias naquele tanque. Quero ver você aguentar.

Era verdade. Força nunca foi questão de gênero ou de sexo. Sem preconceitos raciais, sem homofobia, sem discriminação com pessoas dos mais diferentes tipos, origens, religiões ou orientações, muitas vezes foi incompreendida, mas nunca tergiversou. Tinha convicções fortes, amparadas, como já disse, naquele enorme coração, que parou de bater muito cedo, não sem antes espalhar tanto amor.

Nós, seus filhos, netos, sobrinhos, irmãos, parentes próximos ou distantes, e os tantos amigos, trazemos dela a lembrança mais doce. Lá em casa tínhamos por ela um xodó a mais: era afilhada da minha mãe, então muito presente e amorosa, além de parecerem-se as duas, o que pra nós é sinônimo de lindeza.

Sinto tanta saudade da Tia Ignez! Das nossas longas conversas, dos ensinamentos, das dicas de livros – era ledora voraz, como boa parte da família. Poucos dias antes de sua morte, ela me ligou pra me dar os parabéns pelo meu aniversário, pois não tinha podido ir lá em casa. Me disse toda feliz que acabara de fazer exames médicos e que estava tudo ótimo com sua saúde.

– O médico me disse que iria viver 100 anos! Eu retruquei que menos, só uns 90, porque, afinal, eu fumo muito.

Ah, Tia Ignez, como sua clareza de ideias e sua resistência pela bondade fazem falta nestes tempos tão loucos que temos vivido! Mas sua lembrança seguirá sempre nos iluminando.

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