Claudya Saraiva

É incrível a quantidade de obras maravilhosas que existem por aí e que muitas das vezes nem temos o conhecimento da existência.

Dentre essas, tive a oportunidade de ler “Branco”, de Nathan Kacowicz. Um livro que na verdade é mais como uma obra de arte.

São 13 contos e cada um deles me causou diferentes emoções.

Em “Minto” e “Vendedor de laranjas”, tive um sentimento de incerteza, uma vez que ao final de cada um dá a entender que os personagens estavam enganando a si próprios.

Em “Segunda classe” o incômodo foi imenso. Foi como se eu estivesse presenciando toda a cena e não pudesse fazer nada.

Em “Roda viva da noite”, “Duas luas em eclipse”, “Ato de vingar” e “Dia de aniversário” presenciei contos de uma riqueza imensa. A riqueza está na escrita de Nathan, pois havia contos muito mórbidos, que me davam enjoo, mas que me intrigaram e de tal forma que faziam com que eu finalizasse a leitura.

Mesmo que eu não me identificasse com nenhum dos personagens, ainda assim foi como sentir suas emoções. Pude entender o desconforto como “socos e alfinetadas” descrito na resenha inicial do livro.

Comecei por “Canção para corpos assassinados” e logo notei a dimensão da obra. Uma vez que, ao analisarmos o conto de forma clara, podemos atribuí-lo a diversas pessoas que têm seus corpos assassinados diariamente, ainda que continuem respirando.

Como por exemplo todas as pessoas que assassinam seus corpos dia após dia, atrás de conquistas e méritos que fazem sentido diante da sociedade em que vivemos.

Também os filhos que ao longo da vida vão tendo seus corpos assassinados pelos próprios pais, através de rótulos e padrões. E principalmente as mães e esposas que têm seus corpos assassinados pouco a pouco pela rotina e obrigações que são dadas a elas. E, quando percebem tal coisa, muitas das vezes já não possuem esperança de mudar aquela realidade.

Em “Vendedor de laranjas”, é curioso que, embora tenha sido escrito alguns anos atrás, o quanto vale perfeitamente para os dias de hoje. Em determinado trecho é dito:

“Que necessidade estranha é essa em ter que se mostrar amado e amando; que coisa estranha eles se afirmarem um perante o outro com um beijo público. A insegurança desse amor não é fácil de ser disfarçada. E eles insistem em andar costurados um no outro. Que ridículo é esse casal. As pessoas hoje não estão interessando. Só cansam.”

Trazendo para a atualidade, é basicamente a descrição de algumas redes sociais onde as pessoas têm a necessidade de mostrar uma vida perfeita; uma felicidade inexistente. E embora todos notem essa falsa vida, ainda assim anseiam vivê-la também. O que é muito bem descrito pelo autor ao final do conto:

“No espelho, minha imagem continua ridícula, insistentemente ridícula. E nos olhos, vejo uma pequena felicidade querendo crescer. Deixo-a livre para se expandir. Deixo a felicidade me dominar. E é fácil. Estou feliz.”

Deixa claro que o maior desejo do ser humano é apenas ser como o outro. O personagem repudia, e logo em seguida deseja o mesmo:

“Eu sou como vocês! Encaro a vida normalmente, me sinto feliz com a sua ridicularidade, com a ridicularidade de nós, homens.”

O conto “CA-1940 é de uma profundidade que chega a doer na gente:

“Eu não posso suicidar. A morte não é tão simples assim. Seria um final muito feliz. E além de tudo existe uma certa responsabilidade com as coisas daqui. Por mais inúteis que sejam as coisas aqui, nessa vida, existe uma certa responsabilidade com as coisas daqui. Por mais inútil que sejam, existem os nossos pertences, nossa família. É por isso que o homem não se pertence.

Suicídio, antes de bonito, é covardia.”

Ao final, o conto toca o leitor de uma forma inexplicável. É, na minha percepção, a passagem mais bonita do livro:

“Cada pessoa encontra um modo de viver. Um modo de suportar a vida. O martírio de viver.”

Para mim, é um dos livros mais intensos que já li, porque sou basicamente do clichê. E “Branco” veio com uma narrativa oposta.

Não há mocinhos, e em vários dos contos os protagonistas eram os próprios vilões.

Sem deixar de citar “Lambendo ruas”, “Três toques na porta”, “Pelo pardal” e “Elevador”, que me deixou espantada pela jovialidade do autor ao escrevê-los.

“Branco” é sem dúvida um conjunto de contos maravilhosos, e eu torço para que muitas outras pessoas tenham a oportunidade de conhecer o livro.

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