Adoro séries, sobretudo as políticas, as históricas, as policiais e as de ficção científica, e de preferência produzidas em países que não sejam os EUA (Suécia, Islândia, Croácia, Turquia, Brasil, Espanha). No momento assisto à dinamarquesa Borgen, ficção sobre a deputada Birgitte Nyborg, primeira-ministra, caracterizada pelo excelente domínio da política e pelas dificuldades em lidar com a vida pessoal.
Nyborg é do partido Moderado, o exato centro entre uma esquerda hipócrita e contraditória e uma direita sem empatia, contrária aos direitos humanos e à preservação do meio ambiente, entre outras pautas óbvias. O interessante é observar que a ficção, em busca de credibilidade, aposta que nem direita nem esquerda podem ter razão, cabendo ao centro a sensatez, o equilíbrio do “caminho do meio”.
(Alerta de spoiler) A certa altura da série os Moderados se aliam à direita, renunciando àquelas pautas humanistas, o que leva Nyborg a fundar outro partido, os Novos Democratas. No debate eleitoral, ela desmascara os antigos aliados: vocês não são mais o centro, nós é que somos.
Fico rindo dessa busca da virtude no caminho do meio e comparando com o Brasil. Aqui, de uma hora pra outra, a grande mídia e seus “analistas políticos” resolveram eleger como centro todos os partidos de direita, como o PP (que era o PDS, continuação da Arena, partido de sustentação da ditadura), o DEM (braço mais liberal da mesma Arena), e os do chamado Centrão.
“Esquecem-se” que o termo Centrão foi cunhado de forma irônica, como uma piada, para se referir aos partidos fisiológicos de pouca definição ideológica, que se aliavam (e aliam) a quem der mais. Integraram os governos petistas, governaram o país com suas principais lideranças ocupando ministérios e outros postos-chave da estrutura de governo, e estão de volta, todos felizes, nos braços do bolsonarismo.
Esses partidos nada têm de centro, nunca tiveram. Quando têm que explicitar seus programas, são eles tão neoliberais quanto quaisquer outros partidos de direita. Como hoje é o próprio PSDB, que nasceu social-democrata mas há muito tomou partido contrário às pautas da social democracia, como a distribuição de renda, o Estado de bem-estar social, a saúde e a educação públicas e de qualidade. A privatização em massa iniciada nos governos tucanos não dá margem a dúvidas quanto ao espectro ideológico dos “centristas” brasileiros.
Essa disputa pelo centro vai longe. O dia seguinte às eleições municipais de 2020 abriu a campanha para as presidenciais de 2022, com a eleição, pela grande mídia e o grande capital, que ela representa, do centro como expressão política capaz de pôr fim à polarização que todos combatem. Deixando pra chamar de direita só a extrema direita bolsonarista, que todos execram, pelo menos da boca pra fora.
Mais uma disputa de narrativas, pois negar a polarização é fingir que não existe luta de classes. E só à direita interessa a encenação de que é possível atender aos interesses de todos. Todos é muita gente pra caber no balaio da nossa elite dominante. Eles têm lado, e não é o nosso, do povo brasileiro.
Se Birgitte Nyborg conhecesse os “centristas” brasileiros, sairia correndo desse campo. Ela também tem lado, embora finja que não.
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