O zebrelo, ou camebra, como queiram, vinha cantando alegremente:

– São José da Costa Rica, coração civil, me inspire no meu sonho de amor, Brasil!

Depois, mudando de tom, passou a entoar o mundialmente famoso palíndromo:

– Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos!

Quando foi detido pelas forças de repressão do país-sede, descontente com o estrago que o híbrido animal vinha fazendo na Copa do Mundo que ele, o emirado, tão diligentemente se havia empenhado em promover.

– Como assim, Arábia Saudita ganhar da Argentina, Japão da Alemanha, Costa Rica do Japão e Marrocos (foto) da Bélgica?! Isso não existe, só pode ser conspiração de infiéis – em que pese a contribuição de inocentes úteis adeptos do nosso próprio credo.

A ação repressiva veio bem na hora que o Canadá marcava pela primeira vez em mundiais, no gol mais rápido desta edição – e no mais improvável. Lá ia o zebrelo todo feliz achando que pastaria também naquele charco, contra os atuais vice-campeões, comandados pelo grande Modric. Não rolou. Não foi dessa vez que a Croácia se viu surpreendida pelo fenômeno que se abateu sobre campeões com tradição e favoritismo. Virou goleada.

Com a prisão do zebrelo, a manhã de surpresas terminou com um resultado “normal” e preparou o aguardado duelo de gigantes entre Alemanha e Espanha, que vinham de trajetórias opostas na primeira rodada: a primeira, coberta de opróbrio (consultem o dicionário, não vou explicar); a segunda, de glória. O que sairia dali?

O jogo em si foi menos interessante do que se esperava. Não criaram tantas chances quanto poderiam. Ninguém afirmou uma superioridade tão destoante. Os espanhóis revelaram-se menos temíveis que a França – esta sim tem, até aqui, o craque da Copa, Mbappé – e os alemães, menos fora de combate do que muitos vaticinavam. O grupo E é mais difícil do que parecia e tudo está em aberto.

O que esta edição da Copa do Mundo está deixando cada vez mais claro é que não cabem mais, no futebol, dogmas que dominaram o esporte durante mais de 120 anos. Cláusulas pétreas como o impedimento e o tempo de 45 minutos. Senão, vejamos: criada pra impedir que um time deixasse um cone na banheira, catando agrião na vala, como dizia o saudoso Cafunga, a lei do impedimento virou uma disputa de pentelhímetros só definidos por alta tecnologia. Ora, em que uma axila ou um calcanhar representa de vantagem real de um time sobre o outro? Nada. E se algum bestalhão resolver ficar lá na frente sozinho, esperando um lançamento, basta o adversário destacar um marcador pra acompanhá-lo. Ou não. Por que não fazer um torneio teste sem a lei do impedimento pra ver o que acontece? O que custa tentar? O máximo que pode acontecer é aumentar o número de gols. Alguém aí acha isso ruim?

Já o tempo de jogo tem se mostrado cada dia mais uma regra ultrapassada. Se é pra dar 10, 15 minutos de acréscimos, por que não redefinir que agora o tempo será cronometrado, e não mais corrido? O cronômetro seria parado nas interrupções de jogo, como no basquete, e a responsabilidade de controlar o relógio passaria pra fora de campo, tirando do árbitro essa incumbência. Assim ele poderia cuidar de assuntos mais importantes, como faltas e pênaltis. Não mais impedimento, não mais cera e catimba.

Então tá combinado: evento teste com 10 ou 12 seleções de todos os continentes, jogo corrido de 30 minutos por etapa, cronômetro parando a cada interrupção do jogo, sem impedimento. Aposto que o futebol vai ficar mais animado e divertido. E deixa o zebrelo passear à vontade!

Texto publicado originalmente no projeto Crônicas da Copa – www.cronicasdacopa.com.br