Outro dia ficaram rindo de mim porque eu falei que converso com calangos. E com cães e gatos, passarinhos, qualquer bicho que passe pelo meu caminho. Pois bem, foi só eu revelar esse segredo que os lagartinhos típicos do Cerrado sumiram das minhas vistas. Até hoje de manhã, quando eu voltava da hidroginástica refeita da ressaca eleitoral pelo contato com a água. Portanto, de bom humor.

Lá vinha eu pelas quadras arborizadas quando atravessou na minha frente um calanguinho apressado, correndo naquelas suas perninhas finas cheias de dedos. Tentei entabular uma conversa:

– Amigo, quanto tempo! Andou sumido, hein? Também tava em campanha?

O rapaz encostado na árvore para a qual se dirigia o nosso réptil levantou-se pra dar lugar a ele, mas o bichinho se assustou conosco e voltou pro meio do gramado, olhando pra todo lado, como quem procura alguma coisa.

– Ela tá prenha, olha só – disse o rapaz.

Foi só então que meus olhos míopes se deram conta de que sim, era uma fêmea bem gordota. E que o sumiço dela só podia se dever à ocupação em que andou, engendrando novas vidas prestes a vir ao mundo.

A calanga fez que a conversa não era com ela, mudou um pouco de rumo até encontrar, sobre um toco de raiz, a outra pessoa da relação, seu marido ou companheiro, não sei bem o estado civil do casal. Se conosco ela não rendeu assunto, com ele trocou ideias, pois vasculhavam o ambiente com o olhar, nitidamente caçando um lugar pra ela botar os ovos.

O contraste entre os dois era interessante: avantajada pelo bucho cheio, ela estava bem maior que ele, fortinho, porém magrão. Sem tempo de acompanhar o fim da DR entre o casal, segui meu caminho imaginando que, do jeito que ela estava empoderada, qualquer desacato do macho poderia ser respondido com um sopapo que o jogaria longe. Assim é a vida.

Mas reinava a paz e a manhã ainda não tinha acabado, nem a caminhada entre flores e bichos. Logo adiante, quem passa por mim num voo rasante para pousar sobre as folhas e gramas que começam a verdejar com a chegada das chuvas? Ele, o carcará. Que é outro com quem mantenho diálogo, ainda que ele seja reticente, diria mesmo recalcitrante diante das minhas tentativas de fazer amizade.

Dessa vez ele não estava menos cabreiro. Ao aterrissar no lugar exato onde foi parar, já sabia bem o que queria. Não só ele. Também o joão-de-barro estava de olho na chegada daquele grandão mal-intencionado. Tanto que partiu pra cima dele, do alto de seus 19 centímetros, contra os 60 do oponente, e foi pro ataque com bico, patinhas e piados ameaçadores.

O carcará se assustou. Não era pra menos. Quem aquele joãozinho-barreiro pensava que era? Mas joão nem tchuns. Sustentou a posição de ataque até a chegada de ajuda. A joana-de-barro certamente ouvira o estrídulo e se juntou ao companheiro na defesa do ninho deles, que meus olhos míopes não seriam capazes de localizar – ao contrário do carcará, claro.

Assim como o episódio do casal de calangos, o do casal de joões-de-barro também foi rápido e não me permitiu intervenção. Nem eu queria, pois a natureza é sábia e cada espécie tem sua força pra defender a vida, os filhotes, combater a fome etc. Enfim, cada um sabe bem a luta que precisa empreender no dia a dia pra construir o mundo ideal para si e seus filhos. Assim como nós, neste momento. Vamos, pois, à luta?

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