Quase toda semana venho aqui contar histórias pra vocês. Uma coisa puxa a outra, uma lembrança, uma pessoa. Desde a morte do João Paulo, amigo inesquecível, que todo mundo só quer falar dele e sobre ele. Temos nos ligado, trocado mensagens, combinado encontros, relembrado fatos vividos naqueles tempos de Estado de Minas, quando uma editoria feliz se encontrava diariamente pra trabalhar, crescer e se divertir juntos. Daquela turma, já estão fechando cadernos no céu, junto com o João, o Mário Sérgio, o Marcello Castilho, o Alfredo Durães (que não era da equipe, mas não saía de lá).

Mudando de pau pra cavaco, estou editando o livro da Ana Mariah, amiga jornalista daqui de Brasília, hoje morando no Rio, sua terra natal. Ana, aquela loura má típica, embatucou na dedicatória do livro e o trabalho parou por causa disso. Aí me lembrei de uma história que tem a ver com dedicatórias nos livros.

Uma das pessoas queridas e brilhantes da editoria de Cultura do EM naquela equipe liderada pelo João era o Waltinho. Inteligentíssimo e disléxico, ele protagonizava histórias engraçadas envolvendo trocas de letras. Casos médicos, como a vez em que ele e o Mário, sentados frente a frente e ambos ao lado do ar-condicionado, tiveram ambos inflamação no ouvido, um no ouvido esquerdo, outro no direito. Quer prova maior de que a culpa era do aparelho? E casos humanos, relacionados à sua vida amorosa.

Waltinho era casado com o Carlos. Eram companheiros, viveram juntos durante anos. Eu era amiga deles, íamos juntos ao baile dos artistas no carnaval, a festas, a shows e exposições. Eles não faltavam aos meus lançamentos de livros, isso mesmo depois que vim pra Brasília.

Um belo – e triste – dia, o Carlos morreu. Como era também militante da causa LGBTQIA+, o Waltinho foi convencido a entrar com uma ação judicial para obter direitos como pensão etc. É claro que a Justiça faria de tudo pra evitar conceder o benefício. Posso imaginar a cara de raiva de alguns tipos homofóbicos tendo que despachar a favor do viúvo.

Passado um tempo, a irmã do Waltinho me contou que uma das provas que ajudaram o Waltinho a ganhar a causa foi um conjunto de livros meus, todos com dedicatória “para Carlos e Waltinho, queridos amigos”, “para Waltinho e Carlos, a quem tanto admiro”, “para os queridos Carlos e Waltinho, cujo amor acompanho” etc. etc. Tudo datado e assinado. Ela disse que foi pá e bola.

Ontem, conversando com a Tecris sobre o João e os nossos tempos no EM, me lembrei dessa história. Tornei a me emocionar com ela, a reviver os companheiros, a sentir saudades de um momento tão especial em que construíamos um futuro possível. Esse futuro, há anos sob ataque do obscurantismo, do reacionarismo, de machistas, misóginos, homofóbicos, racistas, fascistas, retrógrados, moralistas, hipócritas, ainda pode ser salvo.

Vamos votar, meu povo! Só faltam duas semanas pra gente começar a conter essa onda maléfica que vem nos sufocando nos últimos anos. Haverá muita luta, ainda, mas não podemos perder a chance de mostrar a verdadeira – e melhor – cara do nosso Brasil. E de preferência no primeiro turno.

PS: A foto, feita pelo Paulo de Araújo, mostra a alegria de receber Carlos e Waltinho no lançamento de Catraca Inoperante na Biblioteca Pública de BH, em maio de 2014. Com direito a dedicatória, claro.

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