A morte de Jô Soares empobrece nossa cultura, nossas letras, nossa televisão, nossa alegria de viver. Jô era um artista múltiplo, um talento completo, intelectual de brilho e inteligência, culto, vivido, viajado, uma personalidade sem igual no nosso país. Vai fazer muita falta. Já está fazendo, desde que se afastou dos palcos e das telas. Os tipos humorísticos e os personagens que criou, em livros, filmes e programas de TV, nunca serão esquecidos.

A profissão que vivi durante tantos anos, de repórter de cultura, me permitiu entrevistar muita gente boa e importante. Um privilégio. Foi assim com Jô Soares. Meu caso com ele é engraçado. Eram os anos 90. Pra conseguir uma entrevista com ele, precisava mandar as perguntas pra produção. Se ele aprovasse as perguntas, ele ligaria dando retorno. Ele em São Paulo, eu em Belo Horizonte, redação do Estado de Minas.

Mandei as perguntas e aguardei. Dali a alguns minutos, toca o telefone:

– Clara, é o Jô Soares.

Não acreditei, pensei que fosse trote dos colegas da editoria, boa parte deles piadistas incontroláveis.

– Gente, não brinca não. Tô esperando uma ligação do Jô Soares.

– Mas é o Jô. Você não me mandou umas perguntas? Então, gostei das suas perguntas. Vamos à entrevista?

Só então a minha ficha caiu de que era mesmo ele. Conversamos, fiz perguntas “inteligentes”, ele respondeu tudo de boa. Aí me lembrei que uns anos antes ele havia tentado emagrecer, o que não deu muito certo porque o público sentiu falta do Gordo. E perguntei pelo seu peso:

– Quanto você está pesando agora, Jô?

– Cento e vinte quilos. E você?

– Quarenta e cinco (isso 25 anos atrás, pessoal).

– Quantos anos você tem?

– Trinta e oito.

– Uau, você é gatinha! Clara, sabia que já tive uma coxa com o seu peso?

Quase rolei de rir. Gostei dele ter me achado gatinha, mesmo sem me ver. Mas tinha um trunfo: uma vez assisti a um show dele da primeira fila, e em certo momento ele descia para a plateia distribuindo beijos no rosto. Ganhei o meu, claro.

– Olha, Jô, você não se lembra, mas já me deu um beijo. Naquele show do Minascentro no ano tal assim assim.

– Ah, que ótimo!

E assim ficamos de rasgação de seda até a próxima entrevista, uns anos depois, quando ele lançou novo livro e conversou comigo, eu em Brasília, ele num carro indo de São Paulo pra algum lugar.

Esses papos reforçaram a boa impressão de uma pessoa inteligente, culta, com senso de humor e presença de espírito. E que sobretudo amava o Brasil, seu povo, sua cultura. Fazia sua parte pra melhorar a nossa vida. O que, afinal, é o que podem fazer os melhores artistas.

Descanse em paz, Jô Soares. Vamos sentir muita saudade!