Os últimos dias têm sido um turbilhão de atividades e emoções, a começar pelas questões pessoais, que não vêm ao caso, e culminando nesta tarde de decisões envolvendo os grupos E e F. Um desfile de zebrelos sem fim, com o Japão derrubando a Alemanha e uma legião de apostadores, enquanto o Marrocos fazia o mesmo com a Bélgica e outros tantos que entraram nos bolões, como eu.

Daí o lugar-comum que atribui ao futebol status especial entre as paixões irracionais do ser humano da nossa era. Porque nada mais inútil do que torcer pra futebol, né não? Sempre que meu time perde, tenho por lema me consolar dizendo que aquilo não tem a menor importância, que não muda em nada a minha vida, que nada vai acontecer se o Galo ganhar ou se o Galo perder.

Mas não é verdade. Por mais irracionais que sejam as paixões envolvendo o esporte, elas nos movem, nos fazem mais alegres ou mais tristes, iluminam ou obscurecem nosso dia, nossa semana, nossa temporada. Eu não gostaria de estar no lugar das torcidas alemã e belga hoje. Embora tenha torcido pra eles seguirem na competição, na esperança de duelos maiúsculos, nada me alegrou mais que a classificação do Japão em primeiro lugar no grupo E e de Marrocos no F. Principalmente este último, um país africano, e por esses, sim, torço com amor e fé.

Mais amor que fé, pois o futebol deles ainda está em crescimento e amadurecimento. Têm tudo pra evoluir mais e mais. Senegal já está nas oitavas. Hoje tem Gana e Camarões em campo. Avante, irmãos africanos!

Muita gente não entende a dívida do mundo com a África. Infelizmente, não é fácil pra quem sempre colonizou colocar-se no lugar do colonizado. Hoje, populações de países europeus desenvolvem xenofobia e horror da “invasão” de africanos e oriundos do Oriente Médio em seus países. Não percebem que, durante séculos, os que hoje perseguem um futuro em outro continente tiveram suas terras invadidas, suas gentes escravizadas, suas riquezas dilapidadas, sua liberdade roubada.

O continente africano é o mais pobre, o mais doente, o mais atrasado em todos os aspectos. E não é por falta de bens, de beleza, de qualidades da terra, das gentes e dos países. É falta de distribuição mundial da riqueza, dos remédios, de alimentos, tecnologia e investimentos. O mundo deve à África, e vê-la se erguendo contra potências no campo de futebol (e nas arquibancadas) nos dá uma pequena amostra do potencial que têm em todos os demais campos.

Pra aliviar um pouco da seriedade do tema, não posso deixar de comentar abobrinhas como os nomes dos jogadores de vários países, que rendem tantas piadas, memes e trocadilhos. No quesito duplo sentido, o meu preferido até agora é o atacante belga Jeremy Doku (foto). Não tem jeito de o locutor narrar o jogo sem uma enxurrada de trocadilhos inevitáveis, e a gente no sofá, rindo.

Hoje Doku entrou em campo no fim do jogo pra tentar salvar seu país. Mas a solução não era Doku. Com Doku ou sem Doku, a Bélgica estava fadada ao fracasso, desde que eliminou o Brasil na Copa passada, na Rússia. Não viram o que aconteceu com a Alemanha depois dos 7 x 1 e do título de 2014? Nós, brasileiros, podemos ter essa carinha de gente boa, mas somos terríveis em matéria de cafifa do João Pelado contra nossos algozes. Somos que nem o Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, inesquecível criação de Chico Anysio:

– Minha vingança será malígrina!

Sobrou pro Doku.

Texto publicado originalmente no projeto Crônicas da Copa – www.cronicasdacopa.com.br

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