O único consolo pra uma perda do quilate de Dona Anna Maria Costa de Araújo é olhar pra vida dela e constatar como ela mudou o mundo pra melhor. D. Anna foi uma mulher pra quem qualquer adjetivo será insuficiente: especial, excepcional, maravilhosa, virtuosa, como no salmo que incluímos no livro com sua biografia. Tudo é pouco na hora de falar dela, porque em todas essas qualidades falta o principal: D. Anna foi uma mulher que conjugou o verbo amar irrestritamente. Posso dizer de cadeira, porque a amei e fui amada por ela.
Sua capacidade de amar, perdoar, tolerar, aceitar, foi infinita. Mas tinha outra virtude que me impressionava da mesma maneira: sua sede de conhecer para ensinar. D. Anna viveu 90 anos e nunca deixou de aprender. Só que o aprendizado, para ela, era bem a ser compartilhado. Tudo que aprendia era pra passar pra frente. Uma vez, aqui em Brasília, fez um curso de comida japonesa. Ao chegar à cidade onde morava, Garuva (SC), tratou de ensinar às mulheres pobres, desempregadas, que acompanhava em suas missões sociais. Porque, mesmo aposentada como professora, não parava de ensinar, do catecismo à pintura de panos de prato, da culinária trivial ao sushi.
Por falar em cozinha, nunca comi nada melhor que a massa caseira feita por ela e por seu filho José Alcir. Que capelete! Quanta delicadeza!
Guerreira do coração manso, D. Anna dedicou a vida a ajudar. Fosse como a mestra vocacionada desde a infância, fosse como mãe de família, companheira do marido na batalha braçal e moral de ganhar a vida e educar os filhos, fosse como católica praticante do Evangelho do amor e da misericórdia. Compaixão é sofrer com o outro. Era o que ela praticava.
D. Anna foi companheira de viagem (na segunda foto, nós na Notre Dame de Paris). Cuidava de nós com carinho, se divertia com aquele bando de malucos que escoltava pelo caminho de Santiago, dava risada, apreciava tantas paisagens, igrejas e gentes diferentes, aprendia, escrevia, anotava tudo em seu diário. Conhecimento não ocupa espaço. Queria ensinar tudo que aprendesse, sempre.
Foi minha amiga. Cuidava de mim, me fazia massagens, me estimulava na escrita. Se deixava cuidar quando precisava de ajuda, com a humildade dos sábios.
Conversávamos longas horas, histórias de vida dela e minha, da minha família e da dela. Minha mãe se apaixonou por D. Anna. “Como ela é linda”, encantava-se Nini, certamente não falando apenas de seus olhos profundamente azuis, mas também da pureza da alma boa que tinha em seu abraço.
A partida de D. Anna, descansando após doença e dor, deixa a certeza de que esteve sobre a Terra uma pessoa que fez a diferença, tornou o mundo melhor, nunca será esquecida. E de que o céu ganhou mais um anjo pronto pra zelar pelos que aqui ficamos, já saudosos, mas felizes por tê-la conhecido, amado e com ela tanto aprendido. Obrigada, D. Anna. Descanse na paz dos justos.
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