Vou falar muito no Moacir nestas crônicas, pois viajamos juntos dois anos seguidos, por mais de dez países. Éramos colegas de trabalho na assessoria do então vereador João Bosco Senra, do PT de BH. Nos conhecemos em 1991, eu voltando de um tour pelo Sul do Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina (do qual também ainda vou falar) e ele de uma viagem já não me lembro pra onde.

Nossas afinidades eram tantas que já no primeiro contato começamos a combinar as férias do ano seguinte, a juntar dinheiro, bolar o roteiro, preparar as bagagens etc. Ele era mais safo que eu e já conhecia o passe de trem que dava direito a rodar pra lá e pra cá, desde que houvesse vaga. E sempre tinha.

Em 1992, portanto, embarcamos rumo a Barcelona, por onde entramos na Europa pela primeira vez. Fizemos Espanha, França, Mônaco, Itália, Suíça, na Bélgica tomamos um chope e pegamos o ferry boat pra Inglaterra, depois cruzamos de volta via França, dali rumamos para Espanha e finalmente Portugal, onde o avião nos devolveu ao Brasil. Nove países em um mês.

No ano seguinte, repetimos o feito na América do Norte, dessa vez com passe aéreo que nos permitia pernoitar em Washington DC, pegar um avião de manhã pra Nova York, passar o dia no Central Park, visitar o MoMA e voltar pra jantar na capital americana. E de quebra fomos ao Canadá, de ônibus. São mil histórias que aos poucos vou contar.

Hoje quero apenas falar do Moacir e de nossas horas e horas de companhia. Como disse, não nos conhecíamos muito e aproveitamos o tempo de convívio pra contar a vida um pro outro, de cabo a rabo, com detalhes, inclusive os sórdidos. Só não dou o serviço aqui porque história dos outros não posso espalhar.

Mas as que vivemos lado a lado, sim. Uma que nos divertiu ocorreu em Roma. Já havíamos visitado o Vaticano e nos emocionado na Catedral de São Pedro. A Capela Sistina arranca arrepios até do ateu mais empedernido. Aí o Moacir me chamou pra atravessar a capital italiana e conhecer outra igreja, e de São Paulo, menos famosa, mas também imponente e bela.

Ajoelhados em contemplação, vimos chegar um grupo de frades meio barulhentos. Passaram por nós conversando um ponto acima do diapasão esperado pra dentro de um templo, ainda mais por parte de religiosos. Ganhou um Frumelo quem apostou que eram brasileiros. Sentaram-se no banco bem à nossa frente e, conversados como sempre fomos, logo nos cumprimentamos.

– Vocês são de onde no Brasil?

– De Belo Horizonte, eu respondi.

– Nós também!

– De que região?

– Eu da Serra, o Moacir, do Caiçara, Santo André, por ali.

– Nós também somos do Caiçara!

– Que legal! Vizinhos!

– Sabe o colégio tal assim assim?

– Sim, disse o Moacir, estudei lá. Minha mãe ainda trabalha lá até hoje.

– Pois nós todos lecionamos lá. Quem é a sua mãe?

– É a dona fulana.

– Nossa, que demais, amamos a sua mãe!

E assim, na base do “como esse mundo é pequeno”, nos despedimos dos frades belo-horizontinos.

***

O mundo voltou a ficar microscópico no ano seguinte, nos Estados Unidos. Nossa base, como disse, era Washington. Um dia, no metrô da capital americana, vi uma moça lá no fundo do vagão acenando pro nosso lado. Olhei pra trás, é claro que não seria comigo. Mas era. Ela se levantou e veio em minha direção:

– Clara! Você por aqui!

Era a Ludmila, conhecida de uma turma com quem andei na adolescência. Tinha sido namorada do Eimir.

– E você, Ludmila, o que faz por aqui?

– Estou estudando. Vou te passar meu número, vamos combinar de nos ver, fazer alguma coisa.

– Que joia, vamos sim!

Na correria de visitar Washington, Nova York, Orlando, Miami, Nova Orleans, San Diego e San Francisco, além do Canadá, acabei esquecendo no bolso o papelzinho com o contato da Ludmila.

Na véspera de ir embora, já sem grana pra qualquer aventura, fomos almoçar num shopping a meio caminho entre o apartamento do Jair, onde eu estava hospedada, e a casa da Fatinha, onde o Moacir ficava. Bandeja na mão com a fast food mais típica do país, procurávamos um lugar pra sentar quando avistei, lá no fundo da praça de alimentação, uma moça me acenando. Não é que era a Ludmila, de novo?

Mundo pequeno, mesmo.

***

Fizemos base em Washington porque ele tinha um grupo de amigos que moravam lá. Além da Fatinha, outros ex-companheiros com quem o Moacir havia trabalhado anos antes e que migraram naquela primeira onda dos anos oitenta. Eram tantos que formavam uma comunidade em que até o padre da paróquia era brasileiro. Famílias inteiras haviam se estabelecido como garçons, pedreiros, passeadores de cachorro etc. Vivam bem, moravam em belos apartamentos e ainda mandavam dólares pro Brasil.

Um dia, voltávamos de visitar um desses amigos, que nos dava carona no seu carrão. Era noite, as luzes da cidade enfeitavam uma grande avenida que levava da periferia pro centro de Washington. O silêncio que se fez entre nós foi profundo, cada um meditava com seus botões. Eu, curiosa, quebrei a onda com uma pergunta:

– Qual é o nome desta avenida?

E o amigo, sem pestanejar:

– Avenida Cachoeirinha.

Nunca vi uma saudade se materializar dessa forma.

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