Brasília faz 62 anos e eu, 18 que estou aqui. Sempre serei grata a esta maravilhosa cidade, que me acolheu e me ama como eu a amo. Isso não quer dizer que ela não tenha seus pecados e, acredite, o pior deles não é abrigar picaretas enviados pra cá de todos os quadrantes do país. Os piores pecados de Brasília são cometidos pela gente daqui, e seus governantes, que desprezam a própria história, o próprio patrimônio, a própria memória.

Estou falando de uma pessoa e um trabalho de 52 anos. Vladimir Carvalho, um dos mais importantes documentaristas do Brasil, cineasta que tem de Brasília apenas 10 anos a menos que a capital tem de idade. Nesse tempo, trabalhou incansavelmente para contar a história da cidade, do país, sempre pelo ponto de vista dos trabalhadores, dos artistas, de quem de fato constrói e sustenta essa imensidão de beleza e qualidade humana, artística, cultural, natural, arquitetônica, etc., que temos como patrimônio da humanidade.

No entanto, tudo que Vladimir Carvalho construiu e mantém na sua Fundação Cine Memória corre o risco de virar pó, vaga lembrança, pois não há uma instituição local que se digne a receber o acervo valiosíssimo reunido pelo cineasta nesse meio século de dedicação e cuidado.

A casa que sedia a Fundação Cine Memória, na W3 Sul, guarda preciosíssima coleção de livros, filmes, equipamentos, objetos, até uma sala de projeção, com cadeiras históricas, fotos, recortes, documentos. Há uma moviola onde Glauber Rocha montou o clássico “Deus e o diabo na terra do sol”. Há maquinário tão pesado que seria necessário um guindaste pra movê-lo dali. Há tanta coisa tão importante que nem vou me dar ao trabalho de enumerá-las, porque matérias jornalísticas já foram feitas, inclusive recentemente, celebrando o valor do acervo e denunciando o descaso das “autoridades”.

Vladimir Carvalho não tem filhos nem herdeiros. Trabalhador da cultura, não tem patrimônio pessoal. Não tem empregados nem assistentes. Não tem quem varra o chão e tire a poeira das estantes. O que ele tem são 86 anos de idade e o sonho de ver alguma instituição de Brasília assumir a Fundação Cine Memória e dar a ela o destino que ela merece: de preservar boa parte da história do cinema em Brasília e no Brasil.

Amigos de entidades do Rio de Janeiro e de Recife já se ofereceram para parar na porta da casa da W3 os caminhões necessários pra levar embora a Fundação Cine Memória. Não é isso que ele deseja. Ele queria que Brasília mantivesse esse patrimônio. Aqui temos a UnB, temos o Museu de Arte, temos casas e centros de cultura. Temos embaixadas, representações, delegações, fundações, empresas, instituições, endinheirados de todos os matizes.

Falta interesse. Vontade política, ou seja, vontade. Compreensão da importância da história e do passado de um povo e de uma cidade pra que eles possam construir seu futuro em bases sólidas e justas. Falta tudo isso. Só o que não falta é a força de luta e a persistência de Vladimir Carvalho. Que ele siga lutando, contra vento e maré, como disse o poeta, pra que a Fundação Cine Memória também não nos venha a faltar.

Feliz aniversário, Brasília!

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