Praça Esperanto – memória para esquecer

(Faço) um sucinto comentário sobre os recursos formais empregados pela autora para revelar as visões de mundo das personagens, mostrando sua capacidade de compor, com palavras, verossímeis retratos humanos: a ampla liberdade de registros linguísticos, desde o mais normativo até o mais coloquial. Ela reproduz de maneira convincente as falas de cada grupo de pessoas pelos quais circula: crianças, adolescentes, artistas, colegas de estudo ou de trabalho.

Valorizo, sobretudo, sua sensibilidade poética para a materialidade das palavras, inclusive a sonoridade das sílabas e até dos fonemas. Enfim, trata-se de uma prosa cujo ritmo nasce do relevo sonoro das palavras. Não é difícil extrair versos inteiros do tecido dessa prosa narrativa.

A primeira parte do livro termina com um “Difícil posfácio”. Difícil porque nele estão dolorosas perdas, como a do pai, resumida em apenas uma linha: “Semana passada, meu pai morreu. Tinha 91, estava cansado”. A narradora não tem “impulso de evisceração”, ou seja, prazer de remexer dramas e feridas. Há uma frase que retoma o título desta primeira parte: “Quero mais é esquecer”. Se Carlos Drummond de Andrade escreveu o livro Esquecer para lembrar, Clara Arreguy nos apresenta este Memória para esquecer.

Na segunda parte do livro, Praça Esperanto, o foco narrativo se desloca da primeira para a terceira pessoa, recurso que permite maior liberdade para narrar as situações difíceis vividas pela protagonista Miriam. Ela retorna à Praça Esperanto, agora um lugar perigoso para os frequentadores, justificando as muitas imagens de desamparo: “vazio existencial, ressacas morais, a sad hour dos bêbados sem dono”.

Antônio Sérgio Bueno, professor aposentado da Faculdade de Letras da UFMG