João Almino, o primeiro escritor imortal de Brasília – pelo menos o primeiro a integrar a Academia Brasileira de Letras -, faz por merecer todas as glórias. Seus livros são profundos, belos, bem escritos, e ainda têm a qualidade, pra nós, do planalto central, de trazer a paisagem daqui com naturalidade e amor.
Em seu novo romance, “Entre facas, algodão” (Record), João Almino acerta mais uma vez em cheio, na trama de uma viagem para fora e para dentro. Aos 70 anos, um homem se aposenta em Taguatinga e planeja voltar ao interior do Ceará para resgatar fios soltos de sua história: o pai assassinado pedindo vingança; um amor de juventude abortado pelas proibições familiares; o reencontro com a paisagem que o formou, uma fazenda em que foi criado pela mãe e pelo padrinho todo-poderoso.
Por mais que a sugestão de incesto e segredos mal guardados se insinue ao longo do romance, é no mergulho paulatino que se constroem as emoções que o protagonista refaz de sua vida. A viagem até o lugar físico, a compra da fazenda onde um dia foi agregado, o reencontro com os amores e as mágoas do passado, a falta de solução para seu casamento de toda a vida, a relação com os filhos – tudo se amalgama na história pessoal e política, de um país e de um tempo.
Na viagem, no enfrentamento dos fantasmas, na volta, ele leva junto o leitor num processo mais de aceitação do que de superação. Ao mesmo tempo, descreve um mundo arcaico que se desfaz, dando lugar a uma nova realidade. Em que pesem as resistências da elite local, o empregado de ontem pode encarar o ex-patrão em novo patamar de relação.
Por dentro, não há vitória. Somente o amargo da vida real, os estragos feitos, sobreviver.
Bjs!
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