Como dizia meu pai, a gente é feliz quando ainda tem muita coisa boa pra ler nesta vida. A cada novo grande autor que descubro e por quem me apaixono sinto essa felicidade. Foi o caso do Sándor Márai, cujo maravilhoso As Brasas comentei aqui algumas semanas atrás. Dá vontade de ler mais e mais do escritor, por isso fui ao seu Veredicto em Canudos (Companhia das Letras), que renovou a admiração por esse húngaro.
A história do livro já dava um romance: Sándor Márai leu a tradução para o inglês de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e, sem nunca ter vindo ao Brasil, imaginou uma personagem fictícia que inseriu na sua trama. Uma mulher europeia que vai parar em Canudos atrás do marido, médico, que por sua vez ficara sabendo de Antônio Conselheiro e seus seguidores por matérias publicadas no jornal O Estado de S. Paulo pelo grande escritor brasileiro.
Nas poucas horas que antecedem o ataque final da quarta expedição do governo republicano à vila que se tornou um extenso aglomerado humano, o ministro da Guerra, marechal Bittencourt, conversa com a imprensa e depois com três sobreviventes de Canudos que garantem: o Conselheiro não morreu e Canudos jamais morrerá. Um desses três é a tal mulher, com quem fala em inglês – e só são entendidos pelo escrivão ali presente, o narrador da história, que aprendeu o idioma com o pai irlandês.
São diálogos impressionantes, cenas de tensão e suspense, mas principalmente de uma escrita poderosa, rara. A cena do banho que a mulher toma diante dos oficiais, prêmio exigido em troca das informações que lhe são solicitadas, é de beleza, profundidade, daqueles momentos fulgor com que a literatura de alto nível brinda o leitor. Vale o livro todo, que todo ele vale.
E agora é ler mais Sándor Márai, tarefa hercúlea, porque ele produziu muito, mais de 40 livros, pra gáudio dos pobres mortais que o adoramos.
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