Tive um pouco de resistência ao romance Um cavalheiro em Moscou, de Amor Towles (Intrínseca), inicialmente pelo tema, a história do Conde Rostov, mantido em prisão domiciliar por mais de 30 anos no garboso hotel Metropol, no coração de Moscou. Minha primeira pergunta foi: que empatia eu teria com um aristocrata que perde sua posição com a Revolução Comunista? Adepta do socialismo e do igualitarismo, sempre tive horror aos privilégios de classe, aos nobres e herdeiros em geral, cuja riqueza não se deve ao próprio esforço, mas ao dos outros. Para eles, trabalho é vergonha. Pra mim, o maior orgulho e a maior honra.
Acontece que, ao longo do livro, tendemos a nos apaixonar pelo Conde, não por ser ele “vítima” dos incultos bolcheviques, mas por ser uma personagem de extrema humanidade. Cavalheirismo, aqui, não diz da origem social nem das boas maneiras que logo se evidenciam, mas da grandeza de alma e coração. E aí vem a história de um homem que literalmente chega à beira do abismo e desiste do gesto extremo, puxado por outro homem simples, mas sábio. E pelas abelhas que trazem o mel das maçãs de sua terra natal. Pura poesia.
Em sua transformação de um vazio ambulante num Homem com um Propósito, o Conde se torna garçom, aprende a trabalhar e bem, une-se a uma pequena comunidade de amigos fiéis, tudo dentro do hotel, com seus espaços infinitos. Aprende com uma menina, que anos depois volta e lhe confia a própria filha. Com o desaparecimento dos pais, dissidentes condenados à morte ou aos trabalhos forçados na Sibéria, Sofia se torna a filha do Conde e aponta novas possibilidades para a vida de ambos. Afeto, crescimento, arte, a capacidade de amar e a vida cotidiana superam as dificuldades impostas pelo regime fechado no período stalinista.
A II Guerra Mundial, o crescimento do país, que se torna potência em oposição aos Estados Unidos, a Guerra Fria, são todos panos de fundo para as décadas de confinamento do Conde no hotel. E em que pese a falta de uma visão mais ampla do regime, pois aos personagens do livro a perspectiva se restringe aos muros que os cercam, a beleza da escrita do autor norte-americano faz valer a leitura. Seu senso de humor, sua ironia, o sarcasmo com que comenta a própria narrativa o confundem com o protagonista. O único senão, nesse quesito, é a extensão do romance, que um pouco menor não faria mal a ninguém.
Enfim, vale a pena ler Um cavalheiro em Moscou. Criticamente e entendendo se tratar da visão de um norte-americano sobre a Revolução Russa e de um protagonista inimigo de classe dos coadjuvantes do livro, eles sim os protagonistas daquele momento histórico.
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