Não poderia também deixar de dar pitaco na polêmica sobre “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert, sobre a empregada doméstica e seu lugar na sociedade brasileira. Duas coisas me chamam mais a atenção nesse filme ótimo e necessário, além das atuações de Regina Casé e Camila Márdila: a maneira como aborda a questão do trabalho doméstico, um tabu pouco e mal tratado nas expressões culturais nacionais; e a situação trazida pelo enredo, da quebra do status quo, só possível no Brasil pós-12 anos de governo popular.
Primeiro ponto: ainda hoje conheço gente “de bem” que acha um absurdo doméstica “querer” ter os mesmos direitos que “nós” – ouvi isso, explicitamente, de uma pessoa “normal”, poucos meses atrás. Ainda hoje as pessoas e famílias acham normal um trabalhador que não tem nem direitos nem condições de trabalho balizadas pelas mesmas regras. E mais: que moram nas casas dos patrões, compartilham espaços, mas desde que saibam “seu lugar”, que em hipótese alguma é à mesma mesa, tomando o mesmo sorvete…
O outro ponto é a entrada em cena da filha da empregada, que traz não apenas a consciência social dos papéis e direitos, como a oportunidade de quebra da multiplicação intergeracional do mesmo destino. Jéssica, filha de Val, entra na trama para trazer o estranhamento do “outro” que vê o invisível e diz o indizível. E para mostrar que no Brasil, hoje, a filha da empregada pode ser arquiteta, pode cursar a universidade, pode ser melhor aluna que o filho do patrão.
“Que horas ela volta?” mostra tudo isso com sutileza, inteligência, leveza, amparado em interpretações soberbas, em diálogos reais, em situações precisamente construídas. É um belo filme, bom e importante na atual conjuntura.
Beijins!
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