Essa viagem eu fiz sozinha em 1998. Fui primeiro à Grécia, onde passeei por Atenas, consultei o oráculo em Delfos, fiz um cruzeiro nas ilhas, incluindo Éfeso, que já fica na Turquia (e onde supostamente São João Evangelista escreveu o Apocalipse), me embriaguei da cultura helênica e atravessei o Mar Jônico num ferry boat, passando o maior frio de madrugada mesmo vestida com todas as roupas que tinha na mochila.
Cheguei à Itália por Brindisi, vindo do porto grego de Patras, depois de mais de 15 horas de navegação pelas águas mais azuis que meus olhos já viram – rivalizadas apenas pelas de Fernando de Noronha, outra história, pra outra crônica. De lá peguei o trem pra Sicília.
Era final da manhã de sol e, pelo horário local, hora da estreia do Brasil na Copa do Mundo da França. Pegávamos a Escócia. Vi a vitória verde-amarela num bar, ao lado de um monte de jovens, como eu, de toda parte do mundo, que levavam suas mochilas pra conhecer outras formas de vida, outras civilizações…
Nessa ida à Itália, fiz duas bases: uma em Siracusa, na Sicília, onde permaneci a maior parte da viagem, e outra em Salerno, de onde visitei Nápoles, Amalfi, Pompeia, etc.
A Sicília me encantou tanto que eu andava pra lá e pra cá de trem, conversando com aquelas pessoas simples, fantasiando que algumas delas poderiam ser parentes de Dom Corleone. Os homens eram lindos (a ilha parecia habitada por vários modelos de Antônio Fagundes, de todas as idades), a prosa, amena. Me sentia falando italiano, embora não soubesse além do dialeto novelístico. Só embatuquei num diálogo sobre a “gioia”, que eu pensava ser joia e só me ocorreu ser alegria depois que o Antônio Fagundes de meia-idade apeou. Com a mesma raiz do francês “joie”, eu devia ter deduzido…
Siracusa é uma cidade impressionante! Foi colonizada por tudo quanto é povo, dos gregos e romanos aos bárbaros do norte. Suas ruínas guardam metade da civilização ocidental. São teatros de arena, grutas como a da Orelha de Dionísio, catacumbas, e tudo à beira-mar, um deslumbramento.
Foi lá em Siracusa que passei o maior aperto dessas viagens todas. Quem conhece minha família sabe das terríveis dores de barriga que minhas tias, mãe e irmã sofrem quase todos os dias. Eu não padeço desse mal crônico. Mas, no dia em que visitei as catacumbas de Siracusa, fui atacada por uma dor lancinante nos intestinos, uma premência de ir ao banheiro, um chamado súbito e desesperador.
Eu tinha acabado de sair de lá e andava pelas ruas, como sempre fazia. A pé. Era feriado. Não havia nada aberto. Um bar, uma loja, uma empresa, um ponto de táxi, um hotel, nada, nada, nada. No desespero, comecei a correr, a correr, suando, rezando (nessas horas, quem é mesmo agnóstica?), até que as preces fossem ouvidas.
Ao longe avistei uma luz acesa na portinha de um bar. Uma sorveteria. Entrei voando, mal deu tempo de perguntar onde era o toalete, o cara tentou me dizer que o uso era exclusivo de clientes, deixei no ar o pedido de uma Coca Cola e invadi o cubículo a tempo de não ser maculada pelo que parecia a erupção do vulcão Etna, ali pertinho.
Salvei-me do aperto. Tomei a melhor Coca Cola da minha vida. Respirei. Deixei a sorveteria dos anjos da guarda e voltei, leve como a brisa siciliana, ao passeio pelas ruas de Siracusa, agora então mais inesquecível do que nunca.
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