A morte do grande Sérgio Sant’Anna no mês passado me fez, finalmente, me debruçar um pouco mais sobre sua obra, com a qual me sentia em dívida. Havia lido um livro dele que ganhei de presente do Zé Márcio Barros quando fiz 18 anos, “Notas de Manfredo Rangel, repórter (a respeito de Kramer)” (Civilização Brasileira), e depois só textos na imprensa e adaptações para outras linguagens. Como tenho feito nesta quarentena, garimpei na minha própria estante e encontrei apenas dois outros volumes, além do já citado: “Um romance de geração” e “O voo da madrugada” (ambos pela Companhia das Letras).
O primeiro eu achei interessante: uma peça teatral metalinguística sobre uma possível peça teatral que reúne um escritor e uma jornalista num apartamento modesto da Zona Sul carioca para um balanço da carreira do primeiro. A relação que se estabelece entre eles vai ao passado e ao presente do escritor e do Brasil, de uma geração diretamente afetada pela ditadura militar. Uma geração que lutou, resistiu, criou sob censura e deu conta, mais ou menos, de mandar seu recado durante tempos tenebrosos. O “romance de geração” do protagonista ondula entre algum heroísmo, alguma covardia, as grandezas e pequenezas dos artistas e intelectuais que viveram, como foi possível, aquele momento histórico. O livro virou filme, que não vi, e não chegou a me emocionar profundamente.
Já o segundo, o volume de contos premiado no início dos anos 2000, é repleto de coisas interessantes, a começar pela viagem formal, muita metalinguagem, muito conto sobre o conto, conto que descreve como ele tenta escrever o conto, ora ocupado apenas em aprimorar a linguagem, ora preocupado com a história a ser narrada, mas sempre com maestria na construção literária sofisticada, brilhante.
Minha atenção, no entanto, se voltou especificamente a dois contos, um do “Manfredo Rangel” e um do “Voo”. Do mais antigo, “No último minuto”, a primeira vez em que vi uma criação literária tendo o futebol como tema. Trata-se da voz de um goleiro que tomou um frango nos instantes finais da decisão do campeonato, sendo por isso responsável pela derrota e consequente perda do título pelo seu time. Genial! Uma inspiração que nunca esqueci.
Do “Voo”, trata-se do conto “Invocações (memórias e ficção)”, em que o autor, naquele exercício de procurar escrever um conto, visita seu passado no bairro carioca das Laranjeiras, onde frequentava o Fluminense, torcia por seus ídolos, assistia a partidas memoráveis de futebol, inclusive jogos disputados muito antes do nascimento do próprio narrador, quando seu tio era jogador do clube. Pela memória e pela ficção, como anunciado no subtítulo, o conto invoca personagens, cenas, lugares, vivências, emoções, numa teia genial que envolve o leitor e o deixa diante de uma criação rara, única, uma experiência emocional e sensorial inesquecível.
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