Em 1996 viajamos para a Europa quatro amigas jornalistas: ao meu lado, Maria Eugênia, Maria e Ana. Teve diversão do início ao fim. Em Paris fomos ciceroneadas pelo saudoso Afonso, irmão da Maria Eugênia, brilhante neurocirurgião infantil que partiu tão cedo. Passeamos por toda parte na Cidade Luz e finalmente jantei num restaurante francês! Sim, porque, com o Moacir, quatro anos antes, a gente só comia em padaria e mercadinho. Invariavelmente sanduíche de baguete com foie gras, camembert e tomate, o dele com o acréscimo de jambon  (lembrando que tanto o patê quanto o queijo e o presunto eram produtos locais, portanto, baratinhos). Na viagem com as meninas, o Afonso nos levou a um típico bistrô em que o microprato de pato era duro e sem graça. Culpa da fama da culinária Cordon Bleu, não do anfitrião, claro.

Alugamos um carro pra visitar outros países: Alemanha, Áustria, Hungria e República Tcheca. Nos encantamos com Versalhes, Praga, Budapeste, com o Schobrun, em Viena, com a arquitetura, as paisagens, a educação no trânsito, as estradas… Até que vimos neve na beira da pista e não resistimos a nos confraternizar com aqueles incríveis floquinhos brancos e brilhantes que encimavam… o quê? O quê? Um pasto de estrume! No qual mergulhamos nossas botas de frio até a alta canela e atolamos, e não tínhamos como nos limpar. Passamos o resto do dia dentro do carro com a vergonha do odor que transportamos pelos campos primaveris da Europa.

Aí, de volta da viagem de carro, descobrimos um pacote turístico de cinco dias em Istambul, com hotel, passagem aérea, café da manhã e um jantar. Tínhamos tempo, e o preço foi uma pechincha. Pachá Tours, aqui vamos nós! Dessa vez com a companhia do Afonso, que também queria conhecer a Turquia.

Lá chegando, fizemos novamente passeios lindos, o Bósforo de barco, atravessamos para a Ásia, do outro lado do canal, conhecemos costumes e paisagens, visitamos, devidamente cobertas com lenços turcos e descalças, mesquitas como a Santa Sofia e a de Suleiman.

(Preciso fazer um parêntese pra dizer que naquela época o país vivia em plena democracia, com tolerância religiosa e cultural, mulheres de burca ou de tailleur, espaço pra todas as manifestações de fé ou sem ela.)

O mais marcante na Turquia, porém, foi a sua gente. Nunca vi povo tão parecido com o brasileiro (se bem que, por outros motivos, senti isso também em Cuba). Os turcos, pra mim, são os inventores do jeitinho. Já no hotel eu perguntei se tinha leite frio. Demorou um tempão até que o garçom chegou com uma caixa acabada de comprar no mercado mais próximo. O mesmo se deu no restaurante.

– Tem pizza?

– Sim.

– De quê?

– Do que vocês querem?

– De tomate, queijo e azeitona.

– Só um momento.

Quanto começou a demorar, olha o motoqueiro da pizzaria chegando ao restaurante com o nosso pedido!

Eles não dizem não. Dão um jeitinho, mas só dizem sim.

São conversados como nós:

– Brasileiros? Parreira!

E olha o pôster do time deles treinado pelo técnico campeão mundial pelo Brasil.

E nos amam de paixão. Quando viam o Afonso andando pela rua com quatro mulheres, não resistiam:

– Brasileiro, brasileiro! Estas mulheres são todas suas?

– Não, nenhuma é minha. São minhas amigas. Esta aqui é minha irmã.

– Sua irmã é uma bela mulher! Quantos camelos você quer pela sua irmã? Te dou dez camelos!

Não há feminismo que me faça me lembrar disso sem dar risadas. Afinal, era o jeito deles de nos dizer o quanto lhes agradávamos. No Gran Bazar, tentavam nos fazer entrar nas tendas deles pra dançar um samba e provar que éramos de fato brasileiras. Tomaram um esporro da Ana, em português claríssimo, tanto que nenhum turco se aventurou a tentar de novo.

A única coisa chata é a tal da pechincha obrigatória. Na nossa cultura, a gente olha, se interessa ou não, pergunta o preço de tudo, compara. Na deles, não. Se olhar, se interessou. Se perguntar o preço, quer comprar. Aí você entra forçosamente numa negociação:

– Quanto vale, quanto vale?

– Não sei, meu amigo. Nem quero comprar.

– Mas se achou caro, diz o preço que quer pagar.

– Mas eu não quero comprar nada.

– Mas está olhando, perguntando quanto custa… Quanto vale?

– Tá bom, um dólar.

– O quê? Quer brigar comigo? Assim você me ofende!

E vai por aí a conversa comprida e sem fim. Se não quer jogar o jogo, é melhor nem fazer contato visual.

Não me perguntem em que línguas foram esses diálogos todos. É linguagem universal. Tem um pouco de mímica, de inglês, francês, espanhol, português. Afinal, todo turco tem um parente no Brasil ou, ele mesmo, já morou por aqui. São bonitos, charmosos e paqueradores. Pena que nos valorizassem apenas pelo nosso peso em camelos.

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