A primeira vez que fui ao Maranhão foi a trabalho. Era carnaval e o governo de lá convidou jornalistas de outros estados pra conhecer a folia que misturava marcha, samba, bumba meu boi e reggae sob as cores jamaicanas, os azulejos portugueses e a ginga brasileira, por supuesto. Da turma divertida que conheci lá, a pessoa que entrou na minha vida uns anos depois foi o Cacá, fotógrafo que, quando vim morar em Brasília, seria companheiro de trabalho no Correio Braziliense, além das festas e dos pedais pelo mundo.

São Luís me impressionou pela beleza, pelas ladeiras, cores, ritmos, comida, pelo falar doce de seu povo. Fomos recebidos pelo governador e sua família no Palácio dos Leões, sede do governo do estado. Fomos a Alcântara conhecer o patrimônio histórico, as ruínas, os doces, a população originária, ver de longe a base de lançamento de foguetes que o governo entreguista cedeu recentemente pros Estados Unidos, enfrentar as turbulências e enjoar na lancha na ida e na volta.

Fiquei quase o carnaval inteiro no Maranhão. Mas, talvez pra baratear as despesas, me puseram num avião praticamente vazio na terça-feira gorda. Era ainda nos tempos da Vasp, pouco antes da falência da empresa, e a bordo não havia mais que meia dúzia de passageiros. Certamente por isso, o piloto achou por bem se divertir no comando da aeronave e a certa altura (uns 10 mil metros, talvez) começou a falar com o sotaque do Barney, melhor amigo do Fred Flintstone:

– Senhores passageiros, este é o voo número tal tal tal com destino a Belo Horizonte e escala em Brasília. Esperamos que aproveitem bem esse final de carnaval e contem sempre conosco. Evoé!

Apesar de estranhar a imitação dos Flintstones em plena condução de um avião daquele porte, achei graça. Outros, mais mal-humoradinhos, não levaram nessa esportiva toda e vaticinaram, com precisa antevisão dos fatos:

– É um absurdo, uma avacalhação. Por isso que essa empresa tá falindo. Não dura muito, aposto.

E deu no que deu.

Voltei ao Meio Norte (pra quem não sabe, antes de integrar o Nordeste, Maranhão e Piauí formavam uma região à parte com esse nome) uns anos depois, já morando em Brasília, pra férias solitárias, como costumava fazer na época. A ideia era conhecer os Lençóis Maranhenses e o Delta do Parnaíba. O primeiro destino, uns dias de praia na capital maranhense, num hotelzinho gostoso onde conheci e caí de amores pela cartola, aquele doce que une banana e queijo, duas das minhas paixões. Piscina no hotel, praia… e dali a uns dias um ônibus me levou pra Barreirinhas, “capital” dos Lençóis.

O lugar parece um sonho. Nunca me imaginei cruzando desertos a bordo de caminhonetes tracionadas, subindo e descendo rios de barco, subindo e descendo dunas, vendo uma paisagem tão diferente de tudo que conhecia, aportando numa praia pra nadar na água doce de um lado, na água salgada do outro. A Terra é um planeta miraculoso, pensei. Como pode haver tanta diversidade e tanta beleza!

Pra ir do lado maranhense pro piauiense, contratei um rapaz e seu carro com tração nas quatro rodas e mergulhamos naquele areal sem fim, em meio a vilarejos, povos seminus (pelo calor, pessoal, não por serem incivilizados), jegues, luzes, cores, pores de sol estonteantes, dunas, travessia de riachos. Dormimos numa pousadinha no caminho, pois eram precisos dois dias de viagem pra alcançar Tutoia, o extremo leste do estado, entrada do Delta do Parnaíba. Dormi em outra pousadinha, não sem antes conhecer o restante da turma ali hospedada e que já havia combinado um barco pra fazer a travessia do delta no dia seguinte. Eu cabia no grupo.

Mais um dia de aventuras sobre as águas, dessa vez pra fazer contato com os imensos guarás, semelhantes a flamingos, com suas asas de coloração vermelha, um espetáculo em sua coreografia nos céus ou pousados sobre altíssimas árvores. Descobri com nossos guias que a cor deles se devia à alimentação, à base dos caranguejos que ali abundam. Tudo na natureza faz sentido!

Mais uma vez nadamos, aportamos em praias paradisíacas, cruzamos as movimentadas águas do encontro entre rio e mar. Não me cansava de fotografar e de tentar fechar a boca, de tanto que o queixo caía de deslumbramento. Enfim, chegamos a Parnaíba, a cidade propriamente dita, da qual me lembro pouco, talvez pelo cansaço de tantos dias em estrada de areia, rios e mares. Só invejei os amigos que fiz naquela travessia, pois eles prosseguiriam rumo a Jericoacoara, no Ceará, enquanto eu, desconhecedora desse trio de destinos interligados, havia programado meu roteiro pra terminar em Teresina.

Foi ruim não ter ido pra Jeri, mas foi bom chegar a Teresina depois de longa viagem de ônibus pelo sertão do Piauí, que eu não conhecia e aonde espero um dia voltar pra visitar pelo menos as grutas e inscrições rupestres. E foi ideal ir pra capital piauiense por um único motivo: chegando lá, tive uma infecção intestinal que me parar no pronto-socorro de madrugada, passar a noite no soro, com dores, incapaz de me alimentar e até de andar. Quando dei uma melhoradinha, voltei pro hotel, mas a infecção não estava de todo debelada, novamente não consegui comer, vômitos e diarreias atacaram outra vez, reentrei no hospital e perdi o voo pra Brasília, que seria no terceiro dia.

Ao final da desventura, sem ter conhecido Teresina, fiquei sabendo, por informações oficiais e por experiência própria, que ali é centro de excelência em medicina e que, tendo andando por tanto sertão e deserto, fui passar mal logo no lugar que melhor me atenderia. Salvei-me e voltei pra casa, guardando gratidão ao Piauí e a sua capital salvadora.

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