Meu caso de amor com Philip Roth possui lances incríveis. Começou no final dos anos 1990, quando ganhei de presente do meu irmão Zenriques o romance “O Teatro de Sabbath”. Foi arrebatador, e depois disso fui tomada por sua literatura e comecei a ler em sequência diversos de seus livros, como “Pastoral Americana”, “Casei com um comunista”, “Complô Contra a América” e muitos e muitos outros.

Philip Roth escreve como eu gostaria de escrever, e não nego que persigo na minha literatura aquele ideal de consistência e graça, de substância e leveza, que ele combina tão bem em tudo que faz. Pretensiosa, eu? Claro, sempre. Aos poucos fui descobrindo livros antigos e novos dele, e aguardando, a cada ano, que ele seja laureado com o Nobel de literatura, para mim tão merecido no aspecto artístico quanto no humano. Mas ainda não veio… ainda…

Um dia, investigando sua vida e obra na internet, deparei com um título não traduzido no Brasil, “When she was good”, e me dei conta de que não só eu possuía esse romance, como o tinha lido anos antes. Foi assim: meu tio Etienne, eminente intelectual mineiro morto em 1997, fazia uma liquidação de livros no final de sua vida, arrumando dinheiro pra se manter nos últimos e difíceis dias de sua vida.

Dentro do pacote que adquiri veio essa publicação amarelada, em inglês, cheia de folhas soltas e furos de cupim, que carreguei numa viagem à Europa. Eu tinha este costume: sempre que viajava para o exterior sozinha, levava comigo um livro em inglês para me forçar a pensar na outra língua. Assim, li “When she was good” num cruzeiro marítimo, e fique impressionada com a força da maldade de Lucy, a protagonista. A ponto de usá-la como inspiração em futuros escritos meus.

Pouco depois, quando descobri Philip Roth, me dei conta de que o tinha lido inconscientemente. E que já o apreciava sem saber. Pois agora, ao ler o novo lançamento dele no Brasil, “Os Fatos”, me vejo em meio a toda uma discussão sobre “When she was good” e Lucy, que ele confessa inspirada na ex-mulher que tanto mal lhe fez.

Percebo muita gente não gostando desse livro, e entendo que ele não diga nada a quem não leu o romance que ele esmiúça no livro. Tem mais: uma das questões que mais cercam a literatura de Roth são os limites entre realidade e ficção, autobiografia e literatura, que perturbam tantos de seus leitores. A confusão proposital intriga leitores e críticos, e permeia boa parte de sua obra.

Em “Os Fatos”, com o pretexto de contar a própria história e esclarecer o que de real ocorreu em sua vida e o que seria inventando, ele promove mais e mais dubiedade. Narra os supostos fatos, mas o faz em diálogo com Nathan Zuckerman, seu alter ego em diversos romances. E, ao mesmo tempo em que “revela” a verdadeira biografia, recebe do interlocutor (fictício) contestação atrás de contestação aos tais “fatos”.

Ou seja, Philip Roth não veio para esclarecer, e sim para confundir. Para ele, prevalecerá sempre a literatura. A arte é maior que a vida, pois, do escritor, só interessa o que escreve, e não com quem se casou, se sua mãe era assim ou assado. E suas questões estão todas ali, nas palavras, nos parágrafos, nos capítulos, nos enredos.

Para finalizar, comprei junto com “Os Fatos” outro romance antigo que ainda não tinha lido, “Mentiras”. E não é que ele trata exatamente do mesmo tema? São diálogos intermináveis entre o narrador e sua amante, entre ele e sua mulher, ele e a ex-namorada, ele e o alter ego. Aqui ele se chama Philip, não Nathan, e ao mesmo tempo revela que a personagem que ama não existe, mas sim, existe, embora não exista.

Amo Philip Roth!

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