Relutei em começar a ler O coração pensa constantemente, da Rosângela Vieira Rocha (Arribaçã), por diversos motivos: porque sabia que minhas emoções andam fragilizadas pelas seguidas perdas, por resistir a enfrentar o tema do luto, por temer ficar presa à história real e não dar a devida leitura à literatura produzida pela Rosângela a partir da vida de sua irmã, Edna, morta em dezembro de 2019, e da relação entre as duas.
Minha história com as irmãs Rosângela e Edna é marcada por amor, carinho, cumplicidade. Tudo tecido pela literatura, que nos une desde que nos conhecemos. O que se deu no final de 2012, poucos dias antes da morte do marido de Rosângela. Por isso, quando fiz a revisão final de seu livro O indizível sentido do amor, que fala sobre a perda de seu companheiro, confesso que nunca isto tinha me acontecido: trabalhei chorando todo um fim de semana num quarto de hotel.
Também o romance seguinte dela, Nenhum espelho reflete seu rosto, me tocou pelo envolvimento que novamente eu tinha pela relação pessoal com a Rosângela. E não seria diferente com O coração pensa constantemente. Não é preciso reafirmar a qualidade literária dessa escritora mineira-brasiliense. São unânimes sua mestria no domínio da narrativa, na construção dos personagens, no envolvimento que consegue promover entre o leitor e o livro. A leitura de suas obras nunca demora, pois é impossível interromper texto tão fluente.
Rosângela mergulha na vida da irmã Edna (aqui poeticamente rebatizada de Rubi) alternando a meninice de ambas no interior de Minas com os últimos meses de agonia após anos de uma doença avassaladora, mal que provoca falta de ar, vejam só!, em plena pandemia de sintomas similares… Desenha com pena delicada e amorosa o afeto especial e a afinidade entre as irmãs, e depois as dores que conduziram o característico senso de humor de Edna a um padecimento causador de mágoas e rancores. Seria duro pra qualquer leitor. Pra quem conheceu e amou a Edna, reaviva uma dor que lanceta o coração. Ele pensa, lembra, pulsa e dói.
Amei a Edna e ainda a amo como amiga e escritora (a foto que ilustra este post foi feita no lançamento de seu último livro). Editei um infantojuvenil dela e estamos num esforço, com a família, pra dar à luz outros títulos infantis que trazem sua marca de grande autora. Os livros para adultos dela, dois de contos – A duras penas e A árvore das encomendas – e o romance A mulher vitruviana são especiais para mim. Tento mantê-los vivos na minha lojinha, sempre que posso, pra que sua palavra siga viva. Com O coração pensa constantemente, Rosângela dá à irmã amada vida eterna. Ela merece. Elas merecem. Nós merecemos.
Posts recomendadosVer Todos
Delicada e forte carpintaria literária
Diferentes emoções numa impressionante coleção de contos
Silêncio! Precisamos ouvir o canto da iara
Nas alturas escarpadas da estética
Falta de pensamento e de contato com a realidade, e a canalhice de sempre
Meu mais novo amigo de infância