Pra mutas coisas, certamente. Mas, no caso de Lacunas II (Avá), pra muito mais. Não apenas pra tocar o leitor, emocioná-lo, ensinar-lhe lições, mas também para ajudar a construir autoestima, valorização e um redimensionamento no lidar com as diferenças. Lacunas II é a segunda produção da editora independente brasiliense a reunir trabalhos de pessoas com deficiências, autistas, portadoras de algum tipo de sofrimento, enfim, pessoas que por alguma “diferença” social não encontram espaço para a própria expressão. Ou, quando encontram, isso se dá na ordem da “inclusão”, não do valor artístico em si.
Organizado por Alexandre Fonseca, que tem paralisia cerebral, o livro conta com posfácio de Deusina Lopes da Cruz, especialista em cuidados com pessoas com deficiência, e traz prosa, verso, contos, relatos, bilhetes e depoimentos de gente que convive com “doenças” ou “diferenças” que nunca a impediram de viver a vida, ainda que sob o olhar desconfiado da sociedade que se pensa “normal”. O prefácio escrito pelo poeta Marcos Fabrício Lopes da Silva (que tem bipolaridade) fala sobre acolher a diversidade e ensina que, quando se recebe um hóspede, mais que mostrar a ele o melhor da sua culinária, bom mesmo é aprender a fazer os pratos preferidos dele. Assim, cultura e costumes diversos se trocam, e todos aprendem com todos.
Além de Alexandre e Fabrício, comparecem na coletânea pessoas surdas ou deficiência auditiva, pessoas com paralisia cerebral, gente que precisa explicar o tempo todo que sim, uma pessoas nas suas condições pode se casar, fazer mestrado e doutorado, construir uma história e ser feliz. Adorei reencontrar nas páginas do livro Vanusa Nogueira, a contadora de histórias Glorinha Fulustreka, que conheci um ano atrás, na véspera da pandemia, durante a feira e-cêntrica, em Goiânia. Ela teve poliomielite na infância e ficou com sequelas.
Esse trabalho de dar voz à diversidade por si só já emociona e merece aplausos. Mas o melhor do livro é constatar que a palavra dessas pessoas tem valor e qualidade em si, não precisa de empatia pra ser apreciada. É poesia, é arte, e a arte nos une a todos como seres humanos iguais na diferença.
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