Já publiquei livros do Seu Maia, já escrevi livro sobre ele, já faz 14 anos que meu pai se encantou, mas ele continua vivo e presente em nossas vidas. Hoje é aniversário do Seu Maia, nascido há 106 anos, em 1915. Sua presença viva se dá em lembranças, em ensinamentos, em casos e falas que repetimos e repetimos com a doce alegria da saudade.

Ontem mesmo, vendo o Atlético perder pro Flamengo, citei uma frase do Seu Maia – da qual nem me orgulho, mas que contém sua filosofia de vida:

– O importante é que não demos vexame.

Sim, era essa a sua preocupação, nos tempos em que a gente até disputava títulos, mas raramente os alcançava. Outra máxima futebolística se aplica ao arquirrival Cruzeiro:

– Eu até torço pro Cruzeiro se dar bem, mas se ele se der mal, o que é que custa eu rir?

Assim, de reflexão em reflexão, achamos espaço pras falas do Seu Maia em nosso dia a dia. As tiradas clássicas estão todas no “Cheio de graça”, o tal livro que escrevi pra comemorar seu centenário, em 2015. Há tantas outras, sem a mesma verve, mas repletas de sabedoria ou do seu modo de ler o mundo. Um dia chego em casa e o encontro acabrunhado, vindo do banco onde se encontrara com seu amigo e meu professor José Mendonça:

– Nunca passei tanta vergonha. Fui falar com o Mendonça que minha filha era sua aluna e ele me disse que você era péssima, que mal dava as caras na sala de aula, que só pensava em política.

Era verdade. No início do curso, minhas preocupações se voltavam todas pro combate à ditadura, pra luta pela anistia e pela redemocratização do país. A fala do Mendonça e a vergonha do meu pai me chacoalharam, me fizeram refazer o curso com ele e dar meu melhor pra honrar a filiação e a amizade do mestre. Creio ter obtido sucesso no desafio.

Ainda assim, larguei o curso de jornalismo ao passar no concurso da Caixa Econômica Federal e fui ser bancária (na época, economiária), seguindo o exemplo e os anseios do Seu Maia. Só que a tarefa era mais chata do que eu esperava, então tratei de criar vergonha na cara e voltar pra escola e obter o título que poderia me proporcionar uma carreira mais interessante e criativa.

Formada, logo fui convidada pelo Mauro Werkema e pelo Luís Eguinoa pra trabalhar como jornalista na Fundação Clóvis Salgado. Meu receio ao contar a decisão de trocar o emprego de concursada em banco pela incerteza de uma carreira solo encontrou a seguinte reação do Seu Maia:

– Minha filha, eu quero que você seja feliz. Apoio qualquer decisão que você tomar.

Aliviada e orgulhosa do pai que tinha (e tenho!), segui em frente pra ser, como ele imaginava, feliz e realizada na profissão. Como eu não assinava o nome dele (Maia), só o Arreguy materno (mais sonoro e chamativo), precisa ver como ele contava pra todo mundo:

– Eu sou o pai da Clara Arreguy!

A ponto de muita gente pensar que era esse o seu nome. E até mandar correspondência pra ele: José Henriques Maia Arreguy. Ele ria, claro. Pois era assim que levava a vida. Com leveza, bom humor, capacidade de rir de tudo, inclusive e principalmente de si.

A última vez que conversei com ele, duas semanas antes de sua morte, era Dia dos Pais. Passei no seu quarto pra me despedir, pois voltava naquele domingo mesmo pra Brasília, e ele abriu um olho do cochilo pós-prandial:

– Já vai?

– Já, pai. Tenho que pegar o avião. Trabalho amanhã cedo.

– Filha, não esquece que estou sempre do seu lado, tá?

– Não esqueço, pai. Nem um minuto.

E assim seguimos juntos. Celebrando-o não apenas a cada 31 de outubro, mas todos os dias, diante dos medos, das incertezas, das realizações, da necessidade de tomar uma decisão, da vontade de dar uma risada, na hora de fazer uma observação ou comentário jocoso, aqui está ele, aquele baixinho engraçado, forte, frágil, humano, extremamente humano, com a grandeza e a humildade que ensinou pros nove filhos, 14 netos, 13 bisnetos – e vem mais por aí, Seu Maia. O senhor iria adorar essa nova leva das nossas crianças!