Inicio hoje uma série de crônicas sobre minhas viagens. Espero que viajem junto!

Viajávamos eu e meu amigo Moacir pela Europa com aquele passe de trem que nos permitia atravessar diversos países, parando onde nos sentíamos melhor, indo embora quando desgostávamos de algo, às vezes passando a noite no trem pra não ter que pagar albergue.

Moacir morria de medo de sermos roubados de noite, o que era comum, mesmo. O mochileiro desavisado se dava mal diante dos mãos leves que há em toda parte. Eu, sono leve, falava pra ele ficar tranquilo, porque se alguém entrasse na nossa cabine eu despertaria na hora. E era fato. Por via das dúvidas, dormíamos abraçados cada um à sua bagagem, queria ver quem tiraria nossos poucos valores. Nos albergues, o truque era pôr o tênis embaixo do pé da cama. Assim não haveria mão leve capaz de nos levantar com cama e tudo pra roubar o pisante.

Mas a lembrança que me veio agora, assistindo ao jogo Grêmio x Fortaleza, ocorreu em Veneza. A linda cidade aquática, na portentosa Praça de São Marcos, estava com a imponente catedral de mesmo nome em reformas. Mesmo assim nos permitiam visitá-la em meio a andaimes, operários, restauradores e outros turistas como nós.

Lá de cima, avistávamos a praça, os pombos, os grupos e mais grupos de estrangeiros e fiéis, as águas, as ruas, mais pombos, mais pombos, mais pombos.

Éramos conversados, dávamos papo pra todo mundo. Quando nos identificavam como brasileiros, invariavelmente o assunto desembocava no futebol.

– Pelé!

– Zico!

– Cerezo!

– Falcao! – eram os hits, um eterno, outros do momento, sem til, mesmo.

Um grupo de estudantes puxou essa conversa futebolística que rendeu! A gente ria, perguntava mais coisas no nosso italiano de novela, eles tentavam se fazer entender – nessas viagens, no fim das contas, todo mundo se entende. Até que um dos meninos disse que o pai dele já havia passado um tempo no Brasil, a trabalho. Perguntamos:

– Onde?

– Una cittá importante!

– Rio de Janeiro?

– No!

– Sampaolo?

– No!

– Belo Horizonte?

– No!

– Brasília? La capitale?

– No!

– Porto Alegre? Fortaleza?

– Questa! Portaleza!

– No, amico, ou é Porto Alegre ou é Fortaleza!

– Questa, sei questa! Portaleza!

– Não pode, ou é uma ou é outra. Una nello extremo sul. L’altra nello norte!

– Sei questa! Portaleza! Lo piace molto!

Não houve meio de descobrir se o homem tinha passado frio ou calor, se lá em cima ou lá embaixo do país. As tentativas de desvendar o nome da cidade foram todas vãs. Acabamos nos cansando daquela conversa maluca com os adolescentes venezianos e indo embora pra etapa seguinte do passeio. Infelizmente, não de gôndola, porque nosso dinheiro não dava pra tanto e não havia romantismo entre nós.

Tínhamos apenas a amizade de dois mochileiros em busca do mundo em plenos anos noventa. E adquirimos em Veneza uma dúvida pra toda a vida: onde raios fica Portaleza?

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