Imagine um narrador que é um feto dentro do útero materno, de onde ouve conversas e rádio, se informa e acompanha a vida da mãe com seu amante e cunhado, com quem trama a morte do pai do narrador. Reconhece os personagens? Isso, Hamlet, de dentro da barriga da mãe, testemunha a conspiração assassina dela com o tio do menino. Dali de onde se espreguiça à espera de seu tempo, ele nada pode fazer, senão torcer, refletir, elucubrar.
Essa narrativa inusitada foi criada pelo britânico Ian McEwan no romance “Enclausurado” (Companhia das Letras), e de maneira magistral. Não só pelo curioso ponto de vista do narrador, mas também pela trama vertiginosa que ele desenvolve. Há ação, emoção, sexo, vingança, e uma acurada análise do mundo atual, de problemas contemporâneos como a vocação e o destino da Europa com a crise dos imigrantes, os desafios de quem pensa o país e o mundo com profundidade e humor.
Humor é o que não falta ao pequeno narrador, já crítico, irônico, alcoólatra, neurótico, um candidato perfeito a esse novo mundo que o espera lá fora. Onde uma mulher troca seu marido poeta por um amante idiota, onde um filho acidental nada mais representa que barganha, onde o desleixo com a casa e o próprio corpo reflete toda a crise moral que não escolhe protagonista.
Um romance completo! Um livro genial, que não se consegue parar de ler. Ah, detalhe significativo: a tradução de Jorio Dauster, perfeita!
bjs!
Clara, que boa resenha!
Que sacada a do autor, hem?
Beijo.