Quando li o livro “Chatô – O Rei do Brasil”, de Fernando Morais, tive a nítida sensação de que estava começando a compreender um pouco mais meu país, minha profissão, a empresa onde eu trabalhava (Diários Associados), o chamado caráter brasileiro. A trajetória pessoal de Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, que chegou a ser a maior potência de comunicação no Brasil, acompanhava a história do século XX, a formação da moderna política nacional, que passou pelo Estado Novo e pelo curto período democrático e desembocou na ditadura militar.
Revivi essa sensação ao assistir ao filme de mesmo nome, dirigido por Guilherme Fontes e famoso mais pela polêmica de sua produção do que pelo conteúdo, do qual pouco ou nada ouvi falar até agora. Foram pelo menos 16 anos entre as filmagens e o lançamento do filme, acusações contra Fontes, de desvio a malversação de dinheiro público, cobranças de multas, lances rocambolescos como o aluguel de um castelo na França para locações, uso de equipamento de Francis Ford Coppola e cenas de ciúme de algum marido traído, que teriam gerado tanta confusão relacionada ao dinheiro captado, à prestação de contas, às suspeitas todas que rondam a produção.
Mas no que se refere ao filme propriamente dito, vamos ao que interessa: “Chatô – O Rei do Brasil”, de fato, mexe sim com toda a mítica figura de seu inspirador, além de outros mitos da história do país, como Getúlio Vargas, principalmente. E o faz sem uma narrativa convencional, cronológica, com interpretações de alto nível de Marco Ricca, Andréa Beltrão (ambos na foto), Paulo Betti, Gabriel Braga Nunes, Letícia Sabatella, Leandra Leal e outros. Mas vai fundo, mesmo, nos métodos e estratagemas usados pela imprensa de seu tempo para achacar, chantagear, difamar, formar opinião, elevar amigos ou derrubar inimigos. Alguma semelhança com situação do presente? Um Bis branco pra quem disser que sim.
Na verdade, com raras e honrosas exceções, a história de Chateaubriand exacerba características de um meio, a imprensa, que na maior parte de sua existência serve a interesses de classes. Serve aos poderosos, a empresas e governos identificados com as elites, às vezes até por questões pessoais (genial a tirada de Chatô: “se está comendo minha mulher, é corrupto”).
Em poucos intervalos da história os meios de comunicação se interessaram por questões éticas, humanitárias ou democráticas. A cada vez que se sentem ameaçados, então, perdem totalmente os escrúpulos e abandonam qualquer compromisso com o jornalismo, com a verdade. Tem sido assim desde sempre, e o filme de Guilherme Fontes, o inimigo público, fala sobretudo disso. Um bom motivo para o silêncio em torno dele, não?
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