O noticiário sobre a morte de uma mulher vitimada pela escova progressiva – ou melhor, por produtos inadequados usados com o propósito de alisar os cabelos – chama a atenção para outra questão: os padrões estéticos que escravizam meio mundo e levam tanta gente a cometer desatinos. Hoje, inclusive, já não se pode falar em postura feminina, já que homens, mulheres e crianças estão sujeitos às mesmas pressões. Submeter-se a sacrifícios voluntários para ficar mais bonito deixou de ser “privilégio” das mulheres.
Uma coisa sempre me intrigou: quem tinha cabelo liso queria anelar, quem tinha anelado queria alisar. Normal. Quando eu era pequena, era comum ver mocinhas passarem horas com um produto fedorento nos cabelos, a permanente, que só podia ser feita à base de enxofre, pelo odor que exalava. (Uma das frases lapidares de Millôr Fernandes dizia que “eterno, em amor, é igual a permanente em cabelo de mulher”.) Outras lambrecavam henê no cabelo e depois o passavam a ferro. Algumas dormiam de touca: fios enrodilhados na cabeça e cobertos com aquela meia fina, bem apertada.
Recursos e técnicas vão mudando com o tempo. Ideologias também. Hoje ninguém mais se sacrifica para enroscar os cabelos. Já as escovas e chapas para alisá-los são quase obrigatórias. Formol e amônia, habituais. Liso virou sinônimo de belo, “domesticado”. Quando a escova progressiva surgiu, os salões entupiram de gente querendo fazer, na ânsia de substituir ene escovas comuns a cada semana por apenas uma de três em três meses. Aí passaram a se arriscar em produtos nem sempre confiáveis, em dosagens de químicos acima do permitido, em falta de fiscalização, conhecimento e ética.
O que me entristece é que ninguém fala sobre o que está por trás da febre: justamente a imposição de um modelo de beleza que troca a riqueza das diferenças pela homogeneização estética, pelo “branqueamento” dos traços, pela redução das possibilidades. Vemos que ficou longe o tempo do “black power”, do “black is beautiful”. E que os movimentos de afirmação da beleza negra ainda têm muito chão pela frente.

publicado no Correio Braziliense no dia 20 de abril de 2007