Por indicação do Cláudio Arreguy, que só me sugere livro bom, li o último romance de Umberto Eco, “Número zero” (Record), publicado em 2015, um ano antes da morte do pensador, escritor e militante italiano (foto), que completou um ano em fevereiro.
A indicação não foi feita à toa. Jornalista aposentado, como eu, embora ainda na ativa como tuiteiro e blogueiro esportivo, Cláudio compartilha comigo, e com os bons profissionais com os quais construímos carreiras longas e sólidas – a dele muito mais que a minha, em extensão e profundidade -, a constante preocupação com os rumos do jornalismo. Pra mim, com raras e honrosas exceções, ele de fato acabou.
No romance, Umberto Eco constrói um aparente nonsense em torno de um jornal que nunca sairá. Com a intenção de pressionar, achacar e chantagear, um editor picareta monta uma equipe de profissionais meia bomba para fingir que preparam números zero de “Amanhã”, a publicação que não tem qualquer intenção de circular. Eles são pagos por um figurão que pretende ser aceito nos altos círculos, a qualquer preço.
Com esse pretexto, a equipe dá uma verdadeira aula de antijornalismo ou, como diz a orelha do livro, cria um manual do mau jornalismo. Agora, adivinhem: é claro que tudo que se fala ali na ironia e no deboche é exatamente o que a imprensa vem praticando na maior desfaçatez, seja aqui, ali, em qualquer parte. Afinal, foi-se o tempo em que ética, profissionalismo e idealismo faziam parte das preocupações dos empresários do ramo. Agora, salve-se quem puder no “business” de construir ou destruir reputações, contornar a verdade, o compromisso com o leitor ou com os fatos.
Umberto Eco situa a trama em 1992, o que lhe permite ainda brincar com a clarividência de certos analistas, que “previam” a obsolescência iminente de tecnologias como o celular. E, em meio a uma trama aparentemente ridícula de teoria conspiratória, aponta mecanismos que permitem a sobrevivência das ideologias fascistas e de seus perpetuadores. Sombrio, terrível. Seria cômico, não fosse trágico.
Um beijo grande e minha gratidão a Cláudio Arreguy e aos bons jornalistas que insistem em defender honrosamente nossa combalida profissão.
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