Por coincidência, todo mundo andou lendo, ao mesmo tempo, o livro “Vida”, no qual o poeta Paulo Leminski reuniu quatro biografias publicadas originalmente em separado na coleção Encanto Radical, nos anos 1980. Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trótski são os biografados, figuras aparentemente sem conexão, mas que se unem na inspiração ou na admiração do autor de suas biografias.
Nesse volume, lançado pela Companhia das Letras ao lado das obras poéticas completas de Leminski, os resultados são desiguais mas nem por isso de menor qualidade. De Cruz e Sousa, nada sabia até ler o romance biográfico escrito por Margarida Patriota, “O Assinalado”, que mais ficcionaliza e menos analisa, como faz Leminski, a vida do poeta catarinense. Negro, criado por brancos da elite, ele protagonizou uma trágica vida de sofrimento e exclusão num mundo que não lhe pertencia e que nada fez por sua aceitação, ainda que tivesse composto uma obra maiúscula do simbolismo brasileiro.
De Bashô, nada sabia mesmo, mas Leminski nos apresenta sua vida e obra com a paixão de quem mergulhou na cultura japonesa e se tornou, ele também, um samurai das palavras e dos haicais. De Jesus, pensava que sabia muito e esperava encontrar alguma novidade, que não veio. A linha da biografia é poética, escrita por quem conduz uma análise por meio da palavra escrita e falada pelo Doce Nazareno.
Em Trótski reside o melhor do volume porque, além de focar na biografia propriamente do revolucionário, Leminski vai fundo no pano de fundo dessa história, a Revolução Russa, com seus personagens centrais, entre eles Lênin e Stálin. Traz ainda momentos decisivos na construção do socialismo real, com suas contradições e avanços, não poupando a crítica quando ela se faz necessária. Um belo texto sobre um assunto interessantíssimo, pelo menos para quem conduz, ao longo da vida, a carga de pensar e agir movido pela paixão revolucionária.
Beijocos!
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