Sempre gostei de fotografar, mas em família grande, sabe como é, fica impossível ter uma bicicleta pra cada um, uma máquina fotográfica pra cada um. De modo que minha mãe, certa vez em que viajou com meu pai, comprou uma câmera Olimpus Trip 35 que fez a festa pra gente. Cada vez que um precisava, a pequenininha não falhava (parêntese pra contar que, nesse meio tempo, Mário, meu irmão, tornou-se fotógrafo, investiu em equipamentos profissionais e, portanto, a parte dele nesta história fica mesmo à parte).
Como fotógrafa amadora, passei a me exercitar nas viagens. Numa delas, em San Francisco, na Califórnia, acabei comprando um equipamento mais sofisticado pra mim, numa loja meio suspeita, de um judeu no bairro chinês, sem nota nem taxas, mas acabou dando tudo certo. Perfeita combinação. A máquina era boa, a lente, incrível, o resultado, maravilhoso. Estreei a bichinha no famoso píer da baía de San Francisco, de frente pra Ilha de Alcatraz, que tantos filmes e trocadilhos já inspirou.
Desde as primeiras vezes em que viajei eu fotografava muito. Dois anos seguidos com o Ney, meu primo. Uma vez ao Nordeste, a outra a Floripa. Depois, dois anos com o Moacir, Europa e Estados Unidos. Em seguida, Europa e Turquia com as amigas jornalistas. As vezes em que fui sozinha à Europa e a Cuba. As viagens a trabalho, as excursões, as férias sozinha. Sempre muitos filmes de 36 poses, uma infinidade de fotos. E o suspense pra saber o que sairia da câmera quando chegasse ao Brasil e mandasse revelar os filmes.
Invariavelmente eu guardava um restinho de filme na máquina e aproveitava pra fotografar papai, mamãe, irmãos, sobrinhos, a casa, nossa gata Peta, flores e jardins. Era minha maneira de me expressar pela imagem, eu que sou tão chegada à palavra. Mas as fotos também me encantavam, e me encantam até hoje. O que me desgosta é a falta de reconhecimento.
A cada filme revelado, álbum montado, as pessoas miravam, admiravam e comentavam:
– Nossa, que lugar bonito!
– Puxa, que luz incrível!
– Cara, que filme bom, hein?
– Nuuuu, essa sua máquina é top!
– Gente, esse papel ficou muito legal, que papel é este?
E nunca, nunquinha, um elogio à fotógrafa. Pensam que eu não reparava? Reparava e me magoava. Ora, todo mundo sabe que foto é olhar. É recorte. É ponto de vista. Equipamento e material ajudam, mas nada substitui o olho que vê, o dedo que aperta o botãozinho.
Depois que comecei a viajar com o Dá Pedal, praticamente parei de fotografar. Afinal, eram todos fotógrafos profissionais, a começar pelo Paulo, maior artista no registro das nossas aventuras. Também Gláucio, Leopoldo, Carlos Moura, Cadu Gomes, Jeffé, Pena Filho, Peninha, Valdos, Carlos Silva, Cacá, PH, Jorge, André, muitos deles ora pedalavam, ora clicavam. Ou só clicavam como parte das tarefas do carro de apoio.
Voltando à minha porção fotógrafa, me aconteceu de enfrentar a maior extensão de fuso horário que já peguei. Foi na volta da viagem à Turquia. Nossas passagens de ida davam direito a parada em Miami. A de volta, em Nova York. Na ida, Maria Eugênia, Maria, Ana e eu contratamos um táxi e demos uma volta por Miami Beach, admiramos pela janela as belíssimas vistas da cidade, e só. Não havia tempo pra nada.
Na volta, saímos de Istambul pra Paris na correria pra não perder o voo de volta. Da capital francesa, voei pra Nova York sozinha, não me lembro por que não estava mais com as meninas. Chegando à Big Apple, me deu o maior jet leg, porque havia quase dois dias que vinha atravessando o planeta pelos ares no sentido leste oeste e não conseguia mais saber em que tempo e lugar eu estava. Entrei num hotel e dormi não sei quantas horas. Ao me levantar, era noite e eu não tinha muito o que fazer. Enrolei pela madrugada, lendo e comendo, até amanhecer o dia pra ir pra rua.
Não era minha primeira vez na cidade. Então, já conhecia os principais pontos turísticos. Resolvi sair andando, com pouco agasalho, porque não era temporada de frio, e logo vi uma loja de revelação de filmes. Estava abrindo naquele horário. Os preços eram tão bons que decidi revelar ali mesmo os 12 filmes de 36 poses que havia feito na primeira parte da viagem. Ficariam prontos dali a poucas horas e mais em conta do que no Brasil.
Prossegui o passeio, mas aí começou a chover. E não era pouco, era daquelas chuvas de cachorro beber água em pé. Ensopada até a alma, consegui entrar num daqueles ônibus de city tour. Os pés doíam de tanto frio no tênis encharcado. Os ossos todos tremiam, pois a roupa colara no corpo e o ar-condicionado do ônibus não aliviava pra brasileira tropicalista friorenta. Dei voltas por Nova York inteira, quase decorei o mapa, enquanto não parava de chover e o percurso não passava de novo perto do meu hotel e da loja fotográfica.
Quando avistei novamente o local e saltei pra buscar as fotos, havia estiado um tiquinho. Foi a conta de descer, pegar os 12 álbuns e voltar pro hotel pra tomar um banho quente, pôr roupa seca, comer e aguardar a hora de ir pro aeroporto.
De volta ao Brasil, tendo escapado por milagre de uma gripe ou pneumonia, tive que ouvir de quem viu minhas incríveis fotos de viagem:
– Menina, essa revelação foi de primeira, hein! Só mesmo revelando em Nova York as fotos poderiam ficar tão boas!
Posts recomendadosVer Todos
Delicada e forte carpintaria literária
Diferentes emoções numa impressionante coleção de contos
Silêncio! Precisamos ouvir o canto da iara
Nas alturas escarpadas da estética
Falta de pensamento e de contato com a realidade, e a canalhice de sempre
Meu mais novo amigo de infância