Se antigamente eu viajava através dos livros, de uns tempos pra cá passei a viajar por causa deles, ou seja, pra divulgar, mostrar, dar e vender esses preciosos objetos. Havia ido à Bienal do Livro de São Paulo a trabalho, ainda no tempo do Estado de Minas. À do Rio de Janeiro fui uma vez já levando originais embaixo do braço e procurando editora. Em vão. Um dos motivos que me inspiraram a criar a minha própria, a Outubro Edições, pela qual passei a publicar as histórias recusadas pelo mainstream do mercado editorial.

Nessa Bienal do Rio encontrei por acaso, passeando pelos corredores entre os estandes, o deputado Patrus Ananias, com quem eu havia trabalhado quando ele foi prefeito de Belo Horizonte. Aliás, encontrei o Patrus também na fila da imigração em Nova York, na minha viagem com o Moacir aos Estados Unidos. Visitamos juntos a igreja de Saint Patrick, tomamos um chope na noite nova-iorquina e comprovamos mais uma vez a tese de que o mundo é mesmo pequeno. 

Voltando às viagens literárias, cheguei a participar da Bienal de Porto Alegre, deixando meus livros no estande de uma associação de escritores independentes. Foi legal, mas eu não conhecia ninguém, então quase não aproveitei nada.

Aí veio a Casa de Autores, o grupo do qual eu faço parte aqui em Brasília, e teve início a minha saga de “ir aonde o povo está”, obedecendo ao poeta. Pra começo de conversa, a Flipiri, Festa Literária de Pirenópolis, que nosso grupo organiza há mais de dez anos. Desde 2013 participo, visitando escolas, fazendo palestras, sessões de autógrafos, dirigindo mesas, atuando em saraus etc. A riqueza dessa experiência é tamanha que a gente sai de lá querendo ir todo dia a uma escola, conversar com estudantes, enfrentar um ginásio lotado de adolescentes cheios de perguntas embaraçosas a te fazer. E a riqueza do patrimônio histórico, cultural e natural de Piri vale o passeio com ou sem livros como motivação.

À Flip, Festa Literária de Paraty, tínhamos ido por acaso em 2008, quando fizemos a pedalada da Estrada Real. É que o trajeto deságua naquela deliciosa cidade histórica do litoral fluminense e chegamos lá exatamente em dias de Flip. Não assisti à programação, mas Goia e eu, passeando pelas ruas de pedra, demos de cara com o Contardo Calligaris (recentemente falecido, grande perda). Ele era uma das atrações e nós, suas fãs. Foi uma bela sorte, uma bela coincidência.

Depois voltei à Flip com os amigos da Casa de Autores e as colegas do Mulherio das Letras. Na primeira ida já como essa microempreendedora em que me transformei, entrei no revezamento de uma banquinha microscópica com o pessoal do Mulherio e vendi bem. Quando não estava lá, circulava com a mochila nas costas cheia de livros. Me encontrava com conhecidos e desconhecidos, oferecia meus produtos e lá iam eles bater asas ao encontro de novos leitores.

No ano seguinte, não havia banquinha do Mulherio nem de nenhum “associado” meu, então resolvi dar uma de camelô: estendia minha toalha verde nalgum banco da praça, ou mesmo no chão, e ali em volta juntava gente. Meus amigos também chegavam, davam força, punham seus próprios livros à venda. Viramos um case de sucesso. Todo mundo nos via, comprava, comentava. Na foto, o grande cineasta Vladimir Carvalho e a não menos grande escritora Lucília Garcez.

Mais três viagens para os primeiros encontros presenciais do Mulherio das Letras combinaram a importantíssima atividade de fortalecimento da luta das mulheres por espaço na literatura e no mercado editorial com a deliciosa curtição de um pouquinho de turismo, porque ninguém é de ferro. A primeira, com grandes amigas escritoras, em João Pessoa, a capital paraibana que amo e já contei por que em outra crônica. A segunda, no Guarujá, que eu não conhecia, mas em cuja praia conseguimos molhar os pés, Maria Amélia e eu, fugindo de um momento do encontro. E a terceira em Natal, onde tivemos momentos de profunda dor, quando perdemos a amada Edna, e inegável realização pelo crescimento do nosso movimento.

***

Essa coragem toda de mascate não veio de uma hora pra outra. No princípio eu não tinha o verbo. Tinha vergonha. Ia às feiras e ficava ali parada, caladona, sem coragem de abordar os visitantes. Certa vez, num evento na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, resolvi mudar de postura. Lembrei-me dos tempos de atriz amadora e decidi: ou eu me investia de uma personagem destemida, a vendedora, e oferecia meus livros sem embaraço, ou aquilo nunca iria prosperar. Deu certo. Hoje vendo com alegria e prazer, não tenho constrangimento nenhum em elogiar os meus livros ou os dos outros. O leitor quer ler. Só ainda não nos descobriu. Chegou a hora.

Assim, passei a levar “o lojinha” a festas literárias e feiras livres, de verduras e frutas, ou mesmo feiras outras, de artesanato ou do que for. Cafés promovem esses eventos aqui em Brasília e em BH. Já fiz isso numa barraca de praia em Vitória, no Espírito Santo, no dia do meu aniversário. Em Anápolis, após um debate. Em Goiânia, em duas edições da Feira e-cêntrica. Na praia baiana de Arraial da Ajuda, durante as férias. Dentro de avião, pra avó de criança com medo de voar. Num evento em São José de Ribamar, a convite da prefeitura. Em outro, em Recife, pra lançar “O verso dos trabalhadores”, que o Ministério Público do Trabalho editou e do qual fiz parte.

E pra fora do Brasil.

A primeira viagem internacional como vendedora de livros foi a Viena, para o Festival de Cultura Brasileira promovido pela Verein Papagaio, da brasileira Vanessa Noronha. Montei a banca da Outubro e vendi bem, principalmente pra brasileiros que moram na Áustria, mas também pra estrangeiros. Ali conheci a Britta Moench-Pingel, da editora Girabrasil, que se tornou parceira e me convidou a participar, no ano seguinte, da Feira de Frankfurt, um dos mais importantes eventos literários do mundo.

Calculem a emoção de lançar naquela famosa cidade uma versão em alemão do meu livro “A Vovó fala tudo errado” editada pela Girabrasil! Foi incrível! Além do mais, havia os outros títulos, que mais uma vez encontraram leitores brasileiros, estrangeiros que estudam português e até mesmo estrangeiros que não falam a mesma língua e acabaram comprando livros meus após aquela prosa na linguagem universal que todos falamos quando estamos fora do nosso país.

Por isso, não estranhem se virem uma dona grisalha em pé, sentada, ajoelhada ou agachada em volta de uma toalha verde cheia de livros em cima. Provavelmente sou eu, a caixeira-viajante, levando meus livros pra viajar, ou melhor, tentando levar alguém pra viajar a bordo de um livro meu.

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