O último dia da Mostra Brasília, no Festival de Cinema, foi espetacular. Abriu com um curta superlegal sobre o Paranoá, cidade satélite criada para abrigar remanescentes dos pioneiros que construíram a capital, mas principalmente os que trabalharam na obra do Lago Paranoá. O documentário Pedras do Rio Paranoá, de Tiago Machado Carneiro, mostra um dos lugares mais interessantes do DF, uma cidade de gente lutadora e criativa.

Trabalhei com o fotógrafo Beto Barata no projeto Brasília Submersa, sobre o lago, e estivemos várias vezes naquela cidade para conversar com esses pioneiros. Infelizmente, alguns deles morreram de lá pra cá, como dona Zefinha, Chico Bodinho e seu Valdivino, mas muitos dos personagens que conhecemos e admiramos lá estão, como seu Ataíde e João do Violão, perpetuando a história e a tradição de luta daquela bela população.

A segunda atração foi Infrator, de Gustavo Serrate e Rodrigo Huagha, uma daquelas iniciativas de guerrilha de quem produz e cria cinema em Brasília sem apoio, sem lei de incentivo, só na base da criatividade e do poder de realização. Em forma de ficção, o curta mostra um rapaz, em liberdade provisória nas ruas da capital, tentando curtir sua liberdade fora da Papuda, sem muito sucesso. Ele e uma moça com quem divide o ponto de ônibus são atacados por uma gangue urbana e, na fuga, esbarram em ícones da cidade, como a Torre Digital, as passarelas subterrâneas, a travessia dos eixos, a mítica comercial 205/206, a Babilônia Norte que protagonizou outro filme no festival… A dupla de diretores exercita estilo e ousa ao não se ater a uma narrativa convencional.

O terceiro e mais importante trabalho da tarde de segunda (23) foi Plano B, de Getsemane Silva e Santiago Dellape, também apresentado na mostra competitiva de documentários na noite de domingo (22). O filme investiga o que foi feito de outro documentário, Brasília – Contrastes de uma Cidade Nova, de Joaquim Pedro de Andrade. Realizado em 1967 por encomenda da Olivetti, o longa do falecido diretor foi tirado de circulação porque tanto a censura da ditadura quanto a da empresa de máquinas de escrever não gostaram da leitura crítica que tomou o lugar de uma louvação à capital brasileira.

A produção de Plano B foi atrás dos envolvidos no filme, como Edla Van Steen, que ajudou a idealizar o projeto, Joel Barcellos, Afonso Beato e Jean Claude Bernardet, além do poeta Ferreira Gullar, que fez a locução do filme. A procura mais difícil, no entanto, é de um operário entrevistado por Joaquim Pedro em Taguatinga (foto), e esse também, após incansáveis pesquisas, é revelado, embora já não tenha como contar o ocorrido.

História, crítica e emoção se misturam no belo filme de Getsemane e Santiago. Nada como dar vida à memória e à reflexão sobre o passado, o presente e os rumos de nossa cidade, de nosso país.