Terei que dar uma resumida nas últimas leituras, senão não cabe tudo, é coisa demais. Começando pela hashtag que virou um mantra pra nós, escritoras brasileiras contemporâneas: #EuLeioMulheres. Iria pôr “vivas”, mas incluí na resenha uma fora dessa categoria, que precisava mencionar pela importância da obra.
– Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus (Ática) – um clássico, reconhecida como uma das primeiras vozes da periferia a serem ouvidas pela “sociedade” (aquela que não incluía, até então, mulheres, negras, pobres etc). O diário de uma favelada, editado pelo jornalista Audálio Dantas, revela uma escrita visceral, que abalou estruturas. A edição sem revisão, para dar a medida de como escrevia essa mulher semianalfabeta, é uma faca de dois gumes: mostra, sim, as precárias condições de estudo e vida da autora, mas reforça o preconceito, como se seus erros de português fossem um troféu. Debatemos isto no encontro do Mulherio das Letras DF em junho: todo escritor que publica passa por revisão. Todo mundo erra. Por que deixar sem revisão Carolina de Jesus? Para enfatizar o caráter “pitoresco” de sua literatura? Para diminuir-lhe o valor? O estranhamento conduz a diversos questionamentos, mas o valor literário dela vence as questões políticas.
– Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo (Rocco) – conheci pessoalmente a Luciana Hidalgo ao assistir a uma fala sua no encontro sobre literatura e ditadura na UnB, também em junho, e na mesma hora comprei este seu romance. Nele, dois jovens brasileiros se encontram na capital francesa durante o célebre maio de 1968. A moça, neta de um general que acabara de assumir o poder com o golpe de 64. O rapaz, um artista em pleno alvorecer de sua criação, inquieto com tudo, em movimento constante. Em volta deles, franceses e imigrantes mergulham na rebelião que daria nome a uma geração e que marcaria o século. XX. Belo romance, com personagens com os quais é fácil se identificar.
– Nos países de nomes impronunciáveis, de Paula Autran (Patuá) – Uma raridade entre as raridades, esse texto dramatúrgico inventa estranhos lugares, alterna cartas e notícias de forma altamente poética e instigante, entrelaçando personagens e intrigando o leitor. Imagino encenado, como deve ser todo texto escrito para teatro. Amo o teatro e sinto, como todo amante de livros e de peças, a falta de uma dramaturgia contemporânea vigorosa – e publicada! Salve!
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