Já escrevi uma crônica em que dizia que uma das coisas mais legais que Brasília me deu foi Goiás. Admito certo grau de preconceito contra o estado que, até então, mal servia de passagem entre o centro do mundo, Minas Gerais, e o quadradinho do DF. Passados 17 anos, meu ponto de vista é completamente outro. Agora, de quem conhece um pouco mais e admira muito mais esse lugar.
Pra começo de conversa, tem Pirenópolis, onde o grupo do qual faço parte, a Casa de Autores, promove todo ano a Festa Literária batizada de Flipiri. Mas esse é assunto pra crônica específica, aguardem. Já tinha ido à cidade histórica que fica a 200 quilômetros da capital federal. Um conjunto de azares, porém, mal me permitiu passar a noite acordada numa pousada, visitando de meia e meia hora o banheiro. O resultado é que nem explorei Piri nem prossegui até a Cidade de Goiás, terra de Cora Coralina, à qual até hoje devo uma visita.
Cora Coralina, por sinal, com Siron Franco e Antônio Poteiro, eram, até então, o mais longe que eu ia em matéria de cultura goiana. Aí vieram as viagens de bicicleta, como uma que já mencionei aqui, até o povoado Girassol e Cocalzinho, de onde não consegui prosseguir. A proposta era fazer Brasília a Pirenópolis em três dias, mas a ambição foi maior que a capacidade muscular e respiratória, de modo que ficamos pelo caminho.
No caminho da cidade histórica, três outras se tornaram obrigatórias: Anápolis, Alexânia e Abadiânia. Na primeira fiz grandes amigas, apresentadas pelas mãos das irmãs Denise e Andréa, que se tornaram como irmãs pra mim e me acolheram várias vezes na sua cidade. E que cidade! Ali já lancei livro, fiz debate, conheci pessoas incríveis, escritoras, atletas. Ali conheci um verdadeiro centro econômico, universitário, ponto de partida da rodovia Belém-Brasília, entroncamento da ferrovia Norte-Sul. Ali tem até uma Estátua da Liberdade fake, daquela loja daquele “veio” sem compostura.
Já Abadiânia, famosa por outro senhor sem compostura, visitei mais como turista, mesmo, descrente que sempre fui dos milagres do além – nos milagres de gente santa eu acredito, com certeza! E embora tenha passado de passagem por lá algumas vezes, me impressionou a estrutura que a cidade adquiriu por causa do milagreiro. Pousadas, restaurantes, lojas, tudo bilíngue, pronto pra receber bem o turista de qualquer parte do mundo.
Alexânia é menor, mas possui uma joia que ninguém mais possui: o distrito de Olhos d’Água. A esse povoado lindo, histórico, com uma grande praça onde duas vezes por ano as pessoas se encontram na Feira do Troca, cheguei pela amizade com um grupo de amigos, os Cavaleiros Racionais, que duas vezes por ano faziam uma cavalgada saindo de Santo Antônio do Descoberto, perto de Brasília, e indo até Olhos d’Água. Muitas vezes acompanhei-os nessa jornada pelo cerrado, cruzando fazendas, atravessando riachos, tomando banho de rio, apreciando a natureza e pessoas de grande caráter. Uma vez fizemos o trajeto de bicicleta. Hoje não participo mais, mas as lembranças daquele tempo povoam minhas saudades.
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Mais ao norte e um pouco mais longe, temos a Chapada dos Veadeiros, com seu imenso parque nacional, as cachoeiras e as gostosas cidades de Alto Paraíso, onde até aeroporto de ETs tem; São Jorge, que é distrito de Alto Paraíso, foi centro riponga e hoje oferece mais luxo que a sede do município; e Cavalcante, um pouco mais distante, mas com iguais atrativos. Por aquelas bandas passeei muito, de carro, de bicicleta, testando limites, acampando, nadando em rios, contemplando o cerradão.
Em Goiânia minhas visitas foram todas em compromissos literários, então também entrará em outra crônica, sobre o assunto. Só sei que a cada vez que vou à capital goiana me encontro com meu primo Tute e algum de seus filhos, o que é mais que alegria, é um calor pro coração.
Já ao sul da capital, sudoeste do estado, existe um pequeno pedaço do paraíso. São as águas quentes, resquício de algum vulcão que afundou no Brasil antes do Brasil afundar – piadinha. Mas certamente nos deixou muito antes da gente chegar aqui, por isso ficamos tão carentes de magnésio.
Tenho que falar de Caldas Novas, aonde, nos últimos anos, tenho ido com certa frequência, sempre que meu nível de estresse faz soar o gongo. Sozinha ou acompanhada pelo Ric, meu irmão, fico pelo menos uma semana num daqueles hotéis mais ou menos confortáveis, sem luxo, onde o farto café da manhã se casa às piscinas aquecidas pra nos fazer reconectar com nosso eu interior. Caldas Novas tem dois problemas: raros são os ambientes, hotéis ou restaurantes, que não nos imponham música sertaneja a todo volume, impedindo um relax completo. E os atrativos turísticos são poucos, então o canal é mesmo o isolamento, o banho nas piscinas, leitura, recolhimento.
Chego ao fim pelo que deveria ser o começo de tudo: a Pousada do Rio Quente. Aí sim entramos no paraíso na terra. Meus pais descobriram esse megaempreendimento ainda no início, e sempre faziam propaganda dele, mas só fui vivenciá-lo pessoalmente quando já morava no Centro-Oeste. E valeu a pena a espera. Na Pousada do Rio Quente a excelência era completa. Não ficávamos apenas nas piscinas aquecidas com a água subterrânea da região. Ficávamos dentro do rio propriamente dito, água corrente, ao sol ou à luz da lua, em comunhão com as memórias do útero materno.
Não é à toa que ilustro esta crônica com a foto de Seu Maia mais Dona Nini gozando as delícias que tanto amavam. Esse passeio foi feito não mais que dois anos antes dele morrer. Nós três e Elisa, minha irmã, experimentamos as mordomias de um resort bem brasileiro, a começar pela culinária. Mas houve também recreações, massagens, amena diversão, prazeres do mato, pássaros, paisagens, sons, silêncios. E a água que dá cor ao nosso planeta, vida à nossa vida, calor às nossas tristezas.
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