Presença ainda

Da memória à ficção

Sempre gostei de gente. Observar pessoas, como caminham, se assentam, gestos marcantes, extravagâncias, tom de voz, tiques nervosos, tornou-se um hobby na minha vida. Curiosa, desde criança.

Quando me recordo de fatos ou pessoas, me admiro da abundância de detalhes que surgem, incluindo sons, cores, trejeitos e tiques, verdadeiros quadros, eu diria. Cenas movimentadas e vivas, carregando, com frescor, os sentimentos e emoções que me provocaram. Tudo se torna hoje.

À medida que a curiosidade, a afinidade, simpatia ou crítica apreendem as características das pessoas observadas, estas se incorporam à minha cabeça, guardadas e presentes em mim – indeléveis.

Esse é o motivo dos meus contos. Gente que se tornou parte da minha vida por amor, por exemplos deixados, pela excentricidade, ternura, saudade, vem à tona e pede lugar nas minhas histórias. Por mais que a memória prodigiosa tenha guardado pessoas inteiras, prontas, quem reconta um conto aumenta pontos… Por isso, às pessoas e situações trazidas para fora de mim, foram acrescentados enfeites, fechos novos, às vezes, finais indefinidos, suspenses, nomes outros que não os originais. Aqui, a ficção é produto também da memória.

Mas todos estão aqui. Apresentados do jeito que os enxergo, da maneira como os vesti, como moram em mim. Homenagem, carinho, chatice de alguns, lembrança de pessoas que deixaram e deixam ainda sua marca na minha trajetória – elas vivem ainda.

Como se pedia nas aulas de teatro que frequentei um dia, fiz meu laboratório. Observando pessoas e aprendendo a amar, com paixão, cada uma, porque todas em mim ficaram. Retrato-as com respeito e ofereço aos meus leitores o direito de curti-las como o faço.

Maria do Carmo Arreguy Corrêa